Outro Lacan
Outro Lacan é um livro que inaugura um campo, até agora inexistente, na já extensa história dos estudos da psicanálise: a pesquisa sobre a relação entre o ensino de Jacques Lacan e os comentários, interpretações e desenvolvimentos propostos pelos seus discípulos. As conclusões às quais chega Alfredo Eidelsztein, e que já estavam esboçadas em seus livros anteriores, sustentam que a obra de Lacan está organizada de forma inversa ou contrária à direção proposta tanto pelos autores mais renomados do lacanismo, quanto pela grande maioria dos estudos publicados por psicanalistas sobre a leitura que fazem de Lacan. Eidelsztein não propõe a existência de diferenças, ênfases variadas ou mudança de conceitos em voga. Ele postula que a psicanálise proposta por Lacan de forma explícita foi e é lida de maneira contrária. Entre os principais tópicos que o autor incorpora em seu livro para sustentar esse diagnóstico estão aqueles que constituem – segundo a sua proposta – os fundamentos do ensino de Lacan: a sua diferenciação em relação a S. Freud, a incorporação sistemática e generalizada das matemáticas e da lógica formal nos fundamentos da psicanálise, e a reorientação filosófica e epistemológica da psicanálise. Muito bem desenvolvido no Outro Lacan, esse último aspecto, tenta recuperar a proposta de uma psicanálise antiontológica, insubstancial, incorporal e sustentada no real do impossível lógico matemático. A crítica sistemática e seriamente desenvolvida neste livro, como afirmado explicitamente pelo autor, conduz à proposta de diferenças fundamentais na posição do psicanalista, tanto na especificidade da sua clínica, como na sua participação em discussões interdisciplinares sobre os debates cruciais da atualidade relacionados às concepções do sujeito.
Índice de Textos
-
Isso é o que dizes, mas o que queres dizer com isso? - Aline Dornelles
-
Um comentário sobre o segundo capítulo da obra Outro Lacan - Felipe Capellari
-
Sobre natureza, substância e matéria em Lacan - Josiane Tibursky
-
Sobre o real e o ser na Perspectiva da antifilosofia de Lacan - Josiane Tibursky
-
Reunião 1 - A noção de corpo na psicanálise de Lacan - Patrícia Mezzomo
-
Reunião 2 - A insubstância como suporte material - Patrícia Mezzomo
-
As filosofias do século XX e a psicanálise não ontológica - Patrícia Mezzomo
-
O corte que faz conta e abre o espaço do sujeito - Patrícia Mezzomo
-
1º Enlace Os incorporais em psicanálise ou o corpo de lamela - Vandenilda Pereira Leite
Isso é o que dizes, mas o que queres dizer com isso?
Aline Dornelles
Encontrar a verdade mais oculta é o que pretende Lacan em seu retorno a Freud, isso é exatamente o oposto a ser fiel ao texto explícito. Logo o retorno é ao sentido de Freud e não “ à letra”
Segundo a citada premissa: isso é o que dizes, mas o que queres dizer com isso? Lacan demonstra que não é ao texto, mas ao sentido que ele lê como verdade mais oculta de Freud a qual requer uma direção invertida para recuperar o efeito.
Para variar, e não surpreendendo muito a Lacan, as cabeças aristotélicas de sua audiência culminavam no que Eidelsztein elegantemente chamava de mal entendido, mas que na verdade está mais para uma desonestidade epistemológica. O retorno a Freud, não foi um preguiçoso pareamento de conceitos que hoje leva a alcunha de freudolacanismo.
Os estudos desse equívoco nos apontam para mais de 50 anos de atraso científico, tudo isso porque para Lacan, o retorno seria ler Freud com seriedade e acrescento também o desejo: Isso é o que dizes, mas o que queres dizer com isso?
Particularmente penso que Eidelsztein transita por um terreno perigoso quando diz: “ É dito que, por exemplo, que a passagem da primeira à segunda tópica de Freud se deu por problemas clínicos e que a clínica - enquanto experiência vivida foi o que determinou as retificações teóricas” e segue: “ Não concordo com esse tipo de explicações, me soam insuficientes e preconceituosas”
Insuficientes concordo, preconceituosas por que as seriam?
Minha interrogação consiste de minha práxis: Um 2025 onde a defasagem clínica dos psicanalistas não dão o suporte para que os mesmos consigam avançar teoricamente, principalmente na psicanálise estrutural. Prescindir da clínica na melhor das hipóteses sedimenta o discurso do mestre. Na pior delas fará com que os pós Eidelsztanianos daqui a 50 anos tenham que garimpar significantes de sua obra para corrigir o que chamei de terreno perigo, pois se na audiência Lacaniana haviam cabeças aristotélicas, na audiência eidelsztaniana elas também existem.
E é na experiência analítica que as cabeças aristotélicas se esvanescem.
Por Aline Dornelles, Psicanalista.
Um comentário sobre o segundo capítulo da obra Outro Lacan
Felipe Capellari. 12/12/2024
A forma como Eidelstein propõe sua releitura e a constatação de Lacan do seu fracasso evidenciam a dimensão e a importância do que vou chamar aqui de “percurso anterior”, que demanda uma mudança de paradigma – com a superação das resistências correspondentes. Entendo que essa pré-condição opera com um material filosófico, ainda que sobre esse termo recaiam considerações cruciais a serem feitas em nome do “bom andamento” do próprio percurso.
A questão aqui é afastar a suposta substancialidade do sujeito. Engano diante do qual podemos chegar até o ponto do advertimento¹.
Imaginemos que um funcionário entra pela manhã na sala do chefe tomado por um impulso que acumulou na noite anterior – na verdade foram meses de preparação – decido a pedir uma promoção e aumento de salário. Está tão eufórico com a situação que não percebe que o patrão também tinha algo a lhe falar. Ignora e segue com sua argumentação. Relembra todo seu empenho na empresa durante anos a fio e afirma o quanto seu pedido é oportuno e merecido. Já perto do fim de seu discurso, relembra de alguma das inúmeras tentativas de fala do patrão e diz: - mas você queria falar algo!? E este responde: - Sim! Foi decido na reunião de gestores de ontem que você será demitido.
Qual o ponto aqui? O patrão tinha uma informação crucial para determinar o rumo daquela conversa. Uma informação que muda, de maneira irreconciliável, esse rumo. Ora, já não fazia sentido nenhum toda a defesa lógica do funcionário, já que, naquele cenário, naquela conformação que fora recém atualizada, se tratava na verdade de um ex-funcionário. E a condição de ex-funcionário não permite que se pense nem em promoção, nem em aumento salarial. Bem, na verdade, nada impede que esse indivíduo siga pensando tais coisas e até manifeste gestos com base nesses pensamentos. Teríamos aí um exemplo de delírio? Agora, imaginemos que essa pessoa chega no dia seguinte para trabalhar “normalmente”. O chefe da empresa o interpela e diz que ela não deveria estar ali, a manda embora e considera o gesto da pessoa como um tipo de delírio. Mas, em seguida a pessoa retira do bolso uma liminar da justiça do trabalho que havia anulado a demissão. Ela, então, havia voltado a trabalhar e ia entregar o documento ao patrão, mas fora interpelado antes disso. Ou seja, quanto o patrão foi afastar esse, até então, ex-funcionário, estava ele, o patrão, delirando? Se o funcionário estava em seu pleno direito de estar ali, direito que a liminar judicial lhe conferia, o patrão agia em desacordo com a realidade, dada a existência real da liminar. Mas fica evidente que a liminar não existia para o patrão, não compunha seu arcabouço discursivo, não compunha sua escrita. Então não podemos afirmar que ele estava em negando a realidade.
Outro exemplo que acho interessante é a seguinte pergunta: Lula é ladrão ou não? Calma, não quero levantar aqui um debate político, isso vai ficar evidente em seguida. Vamos lá. Ele é ladrão ou não? Ele foi condenado. Isso é fato. A condenação foi anulada, isso também é fato. Mas, se analisarmos com calma, vamos ver que não conseguimos determinar se alguém é ladrão ou não sem antes tratar do conceito de ladrão. Quando se assume que o que define um ladrão é a condenação, então Lula foi e deixou de ser ladrão. O que, para nosso senso comum substancialista, é um absurdo. Ou ele é, ou ele não é. Mas fica novamente evidente que é a escrita que determina o que é ou não é. Sempre me deixou intrigado a ideia de anulação de algo com vistas a torná-lo sem efeito, gesto comum no meio jurídico. Como assim tornar sem efeito? Condenar e depois anular não devolve o sujeito para seu lugar anterior de não condenação. Haverá sempre uma marca. Então anular é tentar apagar, mas sempre fica pelo menos o borrão. Tudo conversa de louco, loucos tentando defender o substancialismo do sujeito, esse passível de ser (des)condenado, com remendos um tanto vergonhosos.
Nesse sentido, fico pensando como seria participar de um cartel com um jovem Lacan imaginário. As pessoas todas sérias preparadas pra tratar dos conceitos de psicose, neurose e tal, e o Lacan: - Pessoal, temos antes de tratar da questão do conceito. Pensem em que cara chato!
Entendo que, de maneira semelhante, essa leitura de Lacan tenta nos fazer considerar essa “mudança no cenário” – a passagem de uma lógica substancialista para outra, não substancialista. Mas aqui há um porém. Diferente do que se espera de um funcionário demitido, o abandono da operação lógica substancialista não se da com um simples gesto, como a assinatura de demissão. Prova dessa dificuldade se lê, entendo, na assunção do fracasso, no caso de Lacan, e no esforço “a mais” da exposição de Eidelstein. Imagino que aqueles de nós que tiveram a audácia de pensar que minimamente entenderam do que se trata a questão na obra de Eidelstein também podem perceber a repetitividade argumentativa que lemos tanto no livro Revolução Negada quanto em Outro Lacan. Essa repetição é que chamo de esforço “a mais”. E é “a mais” porque entende a dimensão da resistência. Não resistência como a de alguém que resiste. Mas, usando o conceito conforme se lê na análise do discurso francesa, é o peso de uma ideologia muito fundamental. Uma lógica que molda muitos de nossos discursos, senão todos. É necessário um trabalho material discursivo pesado e abrangente. Entender do que se trata e aderir não basta, porque assim que encerramos a frase que afirma nossa concordância com a não substancialidade, iniciamos outra frase, outra cadeia significante, desenvolvemos outro discurso. Só que, sem o devido trabalho de análise, essa nova cadeia vai ser formulada e tingida pelos discursos e ideologias vigentes, aos quais aderimos anteriormente e não foram devidamente “retificados”. Em outras palavras, não nos é possível dizer pra nós mesmos: - a partir de agora todas minhas formulações discursivas serão formuladas na lógica não substancialista. Bem, até podemos dizer, mas tem tanta efetividade quanto a promessa de início de dieta na próxima segunda. Acontece que chega segunda e somos interpelados por coisas que não estávamos muito conscientes na ocasião do decreto. Mas, pra ser bem detalhista, nosso maior erro é pensar que o sujeito que decretou a dieta é o mesmo que se esbalda no buffet da esquina. Temos uma sensação de continuidade, sensação de que seja o mesmo. Mas, falando em termos de lógica discursiva, não é o mesmo. Cobrar coerência entre esses sujeitos é tão sem sentido quanto o funcionário do exemplo anterior voltar a trabalhar no dia seguinte como se não tivesse sido demitido. E o exemplo é mais acertado do que possa parecer, porque se ele volta é porque não lida bem com o transito dos sujeitos, nesse caso, do sujeito funcionário. Fazendo aqui um link com a questão da formação do analista, penso que isso que estou tratando aqui como um “pré-requisito”, essa assimilação – digamos assim – é de fato toda a formação. Ou é, pelo menos, todo o trabalho pesado, o trabalho material. Porque depois disso o que resta é a elaboração da ética. Mas só é possível pensar uma ética em cima de uma base, de um paradigma. Paradigma esse que é o próprio objeto a ser, aqui, assimilado.
Um ponto que acho relevante é o fato de que (ao menos me parece bem factual) essa proposta que lemos e sua pré-condição – digamos assim – trata de questões filosóficas. Assim como podemos pensar que o engano é supor substancialidade quando na verdade a materialidade tem a natureza de um furo, também podemos pensar que o engano seria justamente o oposto, ou seja, o engano seria pensar insubstancial aquilo que de fato o é. Eu leio e entendo esse debate como inacabado. Nenhuma das argumentações consegue se provar irrefutada. Isso pode ser, ainda que pareça paradoxal, uma comprovação da própria ideia de materialidade significante, em seu caráter não-total. Acho fraca a defesa de que tais considerações não são relevantes pois a teorização de Lacan se volta exclusivamente para a clínica, não pretende incidir no campo filosófico. Ainda que não seja sua intenção primeira, não se pode negar a abrangência de suas formulações. Mas o que mais me chama atenção nessa questão é o fato de que, dada a impossibilidade de comprovação total, nossa posição paradigmática e ética terá sempre um certo caráter de escolha. Digo escolha pra enfatizar que, ao menos em uma certa quantia, fazemos o que fazemos sem saber explicar porque. Isso é interessante porque deixa uma brecha de diálogo com os diversos paradigmas, com as diversas ideologias. Como se partilhar do fato de que não sabemos tudo fosse um laço possível – e aqui talvez um desejo de realimentar a fantasia de comunhão. Partindo daí, fica interessante tentar entender como o coleguinha de vida articulou engenhosamente seu saber pra lidar com o fato de que não sabe. Penso essa posição como a que mais se aproxima do ideal de neutralidade, ainda que seja uma posição advertida de sua impossibilidade. Voltando a formação do analista, penso ser indispensável ter essa posição como assento desejado. Mas não somente enquanto analista. Mesmo como analisando, o assento pode ser o mesmo, já que é esse o assento que permite contemplar os múltiplos sujeitos nos quais nós, enquanto indivíduos (talvez fosse mais pertinente chamar de “divíduos”), transitamos sem que esse trânsito cause tanto mal-estar. Ou seja, a capacidade do analista de ouvir, se interessar, buscar entender, e, porque não, até se encantar, com o saber que o analisando desenvolveu, ainda que traga suas malas cheias de sofrimento a tira colo, essa capacidade é a mesma que podemos usar ao nos relacionarmos com esses sujeitos que nos atravessam. Entendo que é essa capacidade, ou a falta dela, que determinou o fracasso de Lacan e a insistência argumentativa de Eidelstein.
1. Aqui proponho pensar o termo advertimento conforme apresentado por Arthur Mendes em seu seminário permanente de psicanálise estrutural.
Denegação do impossível de escrever
Josiane Tibursky
(Texto sobre o 2º Enlace, do livro Outro Lacan, de Alfredo Eidelsztein, para a seção teórica de 12/03/2025)
Nesse pequeno artigo, Eidelsztein se propõe a dar exemplos de como o real de Lacan não é o mesmo do lacanismo, ou seja, do que é proposto a partir da leitura de Lacan por parte de alguns psicanalistas que dizem seguir os ensinos de Lacan. A questão aqui recai sobre o uso da palavra inefável. Numa busca rápida pelo Google, temos que inefável significa (1) que não se pode nomear ou descrever, em razão de sua natureza, força, beleza; indizível, indescritível; (2) que causa imenso prazer, inebriante, delicioso, encantador.
Eidelsztein defende que, para Lacan, o real é o impossível lógico-matemático no sentido do impossível para o sujeito da ciência — o sujeito com que opera, segundo Lacan, a psicanálise. Já os lacanianos se referem ao real como o inefável do gozo, que é originado a partir do corpo biológico, definido como impossível de dizer. Quando se toma o corpo como real, parece justo que se faça esse encadeamento lógico, contudo, conforme exposto na Reunião 1 do mesmo livro, temos que o corpo é do registro do imaginário, e essa distinção, é claro, traz consequências bastante diferentes para essas duas abordagens.
Em um dos exemplos citados, de 1957, Lacan diz: “A verdade do inconsciente não se impõe, pois, como uma profundidade inefável da realidade”. Eidelsztein vale-se de 5 pontos que apresenta como possíveis fiadores de sua teoria:
O que os lacanianos classificam como impossível de dizer, Lacan coloca como impossível de escrever, ou seja, “o impossível lógico matemático de escrever qualquer coisa e, para a psicanálise, em especial, a relação sexual. Eidelsztein apresenta alguns exemplos de falas de Lacan defendendo que, (1) se algo é inefável, não faz sentido falar sobre ele, e (2) nega que o assunto do qual se trata em psicanálise seja inefável.
(3) Além disso, apresenta também um exemplo em que Lacan afirma que, segundo sua própria leitura, mesmo em Freud não se trata do inefável ou do impossível de dizer. (4) Para dar conta dessa dimensão do impossível para a psicanálise, Eidelsztein retoma a célebre frase de Lacan de que “não há relação sexual”, que, segundo Eidelsztein, é proposta, novamente, como impossível de escrever.
(5) Por último, Eidelsztein traz dois termos que apresentam sentidos diferentes quando comparamos o dito por Lacan ao afirmado pelos lacanianos. São estes: o impronunciável, que, para Lacan, não guarda associação com o corpo ou a substância viva, mas sim como o nome de Deus; e o indizível, que, para Lacan, possui duas vertentes: 1) prazerosa para quem sustenta o indizível; e 2) articulado à mística, que é rechaçada para a psicanálise por Lacan, uma vez que, se o pulsional é tratado como indizível, os psicanalistas viram místicos — por isso o uso dos matemas.
Sobre natureza, substância e matéria em Lacan
Josiane Tibursky
(Texto sobre a Reunião 2, do livro Outro Lacan, de Alfredo Eidelsztein, para a seção teórica de 11/12/2024)
O autor inicia seu texto apontando estes dois seguintes lugares-comuns entre muitos psicanalistas, o de que “Lacan é incompreensível” e o de que “mas já se sabe o que ele disse”, que têm como resultado (1) que não se debruce sobre a obra de Lacan, recorrendo aos seus comentadores; (2) a permissão da própria transmissão de seu ensino sem que seja feito o devido estudo ou pesquisa minuciosos; (3) confusão entre a própria elucidação e o elucidado (muitas vezes sustentando-se como declarado por Lacan aquilo que foi afirmado por um comentador); (4) a sustentação da teoria pelo saber da experiência, e não pelo saber teórico. Ele pontua sobre o valor da experiência, indicando que uma teoria é criada e que, a partir daí, algumas experiências são realizadas e assim a teoria é objetada ou não pela via empírica, alertando que a verificação empírica nunca é definitiva.
Eidelsztein afirma que a APOLa parte de ideias diferentes daquelas lidas como as mais difundidas na atualidade como ideias de Lacan e explicita em três pontos a leitura que defende:
-
Diante do “não há Outro” do lacanismo, nós sustentamos que, sim, há Outro e, em todo caso, esse Outro é pensado na perspectiva de “não há Outro do Outro”. Mais ainda, sustentamos que é importante afirmar que há Outro, já que, como psicanalistas, nos ofertamos como Outro na sociedade. (...) É muito importante definir se há ou não Outro, porque, caso seja dito que, pela nossa experiência, foi descoberto que não há Outro, teríamos que saber que estamos aniquilando o lugar do analista no futuro. (...) Além disso, fazemos uma distinção entre Outro e Ⱥ. O Ⱥ corresponde à estrutura da linguagem, lugar da verdade, e o escrevemos Ⱥ, que indica sua estrutura lógica, já o Outro é concebido como sua encarnação (também chamado de encarnadura).
-
Diante da frequente afirmação de que, como o gozo é proveniente do corpo biológico e não há Outro, então o sujeito é responsável pelo seu gozo. (...) Não sustentamos essa posição porque seguimos trabalhando com a noção de que o $ supõe partir da função do inconsciente: um saber não sabido. Com isso, atacamos profundamente a função individualista da responsabilidade. Assim, havendo um saber não sabido, a noção de responsabilidade (subjetiva) não é aplicável, porque o quadro se complica de tal forma que não é possível dizer o que é ou não é sujeito, já que, com certeza, sujeito não é a pessoa que consulta. O inconsciente apenas existe como imisção de Outridade.
-
A respeito do que é sustentado em âmbitos psicanalíticos, que interpretam o sem-sentido como uma afirmação de que a vida não possui sentido, nós postulamos o objeto a, inscrevendo a dimensão de valor, articulada ao que entra, caso se perca, na dialética do luto. Mas não porque tivemos a experiência de que existe objeto a, ou por ter a experiência de que existe o $, senão por serem as noções prévias de Lacan com as quais vamos para a clínica, constituindo essa dita clínica em função da posição que assumimos nessa discussão. O objeto a implica a nossa posição ética diante do niilismo.
Eidelsztein coloca a questão da psicanálise enquanto um programa de investigação científica e defende que as teorias não são refutáveis pela via da experiência, uma vez que cada teoria se sustenta até que surja outra que seja considerada mais adequada. Faz-se, portanto, uma proposta teórica.
As teorias científicas não apenas são incomensuráveis entre si, por não haver um fator que permita medir uma e outra para ver qual é a correta, sendo que, além disso, não são plenamente contrastáveis empiricamente, mas apenas após terem sido enunciadas. Primeiro, é necessária sua postulação. (Eu: ou seja, precisamos entender que trabalhamos a partir de axiomas)
A contrastação empírica não valida totalmente as teorias científicas, porque é impossível saber se amanhã não haverá um experimento para refutá-las (problema que é metaforizado com a expressão “cisne negro”).
Até aqui ele está apenas ajeitando o terreno pra poder abordar o seu assunto, ou seja, apontou o problema em questão, nos mostrou sua posição e nos relembrou como a ciência funciona (ou deveria funcionar), o que, nos tempos de hoje, talvez seja de fato muito importante fazer.
O autor retoma o assunto abordado na Reunião 1, estabelecendo que, sendo o corpo imaginário, a diferença entre o início do ensino de Lacan e o que é chamado de último Lacan era a sua proposta sobre o tipo de engano imaginário em jogo. Eidelsztein defende que Lacan continuou sustentando que o corpo não era real, mas imaginário, e que isso encadeava uma série de enganos articulados. O primeiro deles era “eu sou eu”, fonte da enganosa identidade pessoal, e o segundo era “eu sou meu corpo visível”, aquilo que me confere consistência, propriedade fundamental do imaginário.
O autor retoma o exemplo do paciente que cortou o colega, cuja analista afirmou que ele “cortou no real da carne” para lembrar que, para Lacan, o real é o impossível lógico-matemático e para encaminhar o caso do rapaz para uma possível interpretação de que ele tentou atacar o que estava funcionando como impossível para ele, o que não pôde ser colhido, já que a analista compartilhava a posição do paciente, de que o real era o corpo. Mais adiante, Eidelsztein utiliza-se de um exemplo de adicção para alertar que o impossível lógico não é algo aparentemente impossível ou algo dificílimo.
A partir de então, explicita, mais uma vez (ou um pouco mais), sua proposta, que é a de revisar uma seleção de citações de textos de Lacan que supostamente endossariam a popularizada “elucidação de Lacan”. Nesse ponto, ele aborda o “fracasso” de Lacan, que foi o de não ter conseguido transmitir o seu ensino. E Eidelsztein lembra que esse desvio de leitura é muito comum no mundo das ideias. Com relação à inversão do ensino, ele defende que o problema reside no fato de que, em decorrência da posição de onde um professor fala, quando ele fala, as questões subversivas ficam invertidas.
Até aqui poderíamos dizer que foi o introito do texto, quando Eidelsztein começa a tratar do que pretende segundo afirmado algumas páginas antes: a análise de um conjunto de conceitos em Lacan. Na Reunião 1, abordou sobre o corpo. Agora, na Reunião 2, passa a abordar a concepção de natureza, substância e matéria em Lacan. De pronto, fiquemos com alguns pontos: a teoria de Lacan é contranatureza, é da insubstância e postula para a psicanálise um materialismo em termos da linguagem (o seu moterialisme, onde troca o “a” por “o”, colocando mot, que significa palavra, na raiz do seu neologismo).
Os neologismos, junto com o estilo barroco, segundo Eidelsztein, são apontados como o motivo pela busca pela elucidação de Lacan, ou seja, a leitura pela pena de seus comentadores, mas o que está em jogo de fato é que o ensino de Lacan é subversivo a ponto de precisar de palavras que ainda não estavam disponíveis, por isso a criação de tamanha quantidade de neologismos — por neologismo, entende-se não apenas uma palavra que não é (ainda) encontrada no dicionário, mas também uma palavra a que se deu uma nova acepção, particular e não localizada nos dicionários, nem nos usos registrados. E tal estado das coisas aponta, segundo Eidelsztein, para a insustentabilidade do discurso lacaniano de que Lacan afirmou o mesmo que Freud — se assim fosse, para que inventar 800 novas palavras?
O autor começa então com um neologismo encontrado em O aturdito, stábitat, que tem relação com a famosa questão da ausência de relação sexual. Eidelsztein se debruça sobre a palavra habitat para desvelar o que há em stábitat e afirma:
Quando se diz “homem” e “mulher” já se está livre do problema da biologização do homem, porque já sabemos que estamos falando da diferença sexual que, surpreendentemente, na atualidade passou a ser designada como gênero. É surpreendente porque, com toda a biologização que aconteceu, a discussão sobre o sexo começou a ser tratada menos biologicamente, passando a ser “de gênero”. Seja como for, sendo homem ou mulher, já se trata de gênero. Então a pergunta é: qual é seu habitat específico? Onde moram como exilados homens e mulheres, como partes criadas pela linguagem?
Ou seja, em termos biológicos, claro, há relação, contudo, como a espécie humana é justamente constituída pela linguagem, ou, em outras palavras, homem e mulher habitam a linguagem, estão nela exilados. A ideia do exílio Lacan toma da proposição de Heidegger de que “a linguagem é a casa do ser. Na sua morada habita o homem”. Lacan avança sobre esse “habitar”, definindo-o como exílio, pois “homem” e “mulher” não possuem lugar natural, nem na natureza nem na linguagem, já que sua relação é ali impossível de escrever.
A linguagem, no entanto, é uma morada frouxa, uma vez que os significantes são desprovidos de consistência, deslizando-se metonimicamente e substituindo-se uns aos outros metaforicamente. Lacan se vale do conceito de Begriff (conceito), apoiando-se em Frege, que renova, radicalmente, a lógica aristotélica medieval em sua obra Conceitografia. “Frege foi o primeiro a transformá-la em uma linguagem de fórmulas, uma escrita formal, hoje conhecida como lógica matemática.” Lacan também toma de Frege (1) a ideia de que o número 1 é proveniente do 0, e não do nada, mas sim da inexistência lógica, e (2) a distinção entre Sinn e Bedeutung. “Segundo Lacan, para Frege, o 0 se origina no objeto logicamente impossível que conta por 1. O número não é proveniente de nenhuma via empírica, trata-se da pura lógica.”
Eidelsztein enumera assim sobre a questão do Begriff no ensino de Lacan:
-
“homem” e “mulher” são “seres” significantes;
-
habitam no exílio, na morada frouxa da linguagem;
-
condição debitária tanto do fato de que cada significante não é mais do que o lugar vazio deixado pelos outros, como de que o significante fálico é ímpar;
(Vejamos o que significa dizer que o significante fálico é ímpar. Lembremos que falo, em Lacan, é um significante privilegiado que organiza a estrutura do desejo e da diferença sexual no inconsciente. O significante fálico, mediador do desejo e da falta, é ímpar porque não se articula em uma lógica de paridade ou complementaridade. Ele é único em sua função dentro da linguagem, marcando (1) a impossibilidade da relação sexual e (2) a divisão estrutural do sujeito, regulando, assim, o desejo.)
-
ao mesmo tempo, o império da metáfora e da metonímia sobre os fatos de discurso os estabelece em constante deriva;
-
por sua vez, os fatos de discurso não são mais do que laço social, então “homem” e “mulher” habitam exilados na morada da linguagem, que (já sabemos) é um abrigo frouxo.
Esses conceitos todos serão apoiados pela escrita lógica em fórmulas algébricas. Segundo Lacan, a lógica matematizada é necessária à psicanálise por incorporar o real e também porque é a partir dela que o real como impossível lógico impede a interpretação de qualquer coisa. Sem ela, cita Eidelsztein, cai-se no erro de Jung, para quem o inconsciente não tem limite nem fronteira. O limite passa a ser a fórmula lógica e matematizada. Sem ela, outra possibilidade é afirmar-se no corpo biológico, e já sabemos que ele é imaginário. Freud tentou traçar os limites pela via da sexualidade e da morte (biológicos), e Lacan propôs o conceito lógico-matemático da escrita fregeana. Nosso real, portanto, é o de que não se pode escrever a fórmula lógico-matemática da relação sexual. E tem-se que o que sustenta a realidade é uma fórmula algébrica: a fórmula do fantasma. Vale citar neste ponto que, para Lacan, o número, apesar de sem dúvida alguma surgir da linguagem, não se trata de um significante qualquer, posto que toca o real.
Eidelsztein passa então ao conceito de substância em Lacan. Para ele, a substância, que vai chamar de “substância gozante”, resultante da eficácia da linguagem, provém da linguagem e do apoio no furo topologicamente considerado. Ainda que os lacanianos afirmem que o “último Lacan” seria da substância-gozo, e não mais da linguagem, Lacan segue calcando nela todo o seu ensino e ataca a falsa substância proporcionada pelo “ser” afirmando que “acreditamos no ser porque a linguagem oferta o verbo ser e, então, acreditamos que há substância, mas ela se faz a partir do verbo ser, que é material linguístico”. Segundo Eidelsztein, “temos filosofia metafísica e ontológica porque os gregos a tiveram. A nossa metafísica e ontologia não provém de nenhum lugar que não seja de uma língua que contava com o elemento ser, mas que, no processo de objetivação e substancialização, esqueceu que era um verbo.
Para Lacan, “há” o nó borromeano, onde o imaginário é apresentado como consistência, o real como ex-sistência e o simbólico como furo; e a matéria, aquilo que é material, é o que nunca fará imagem de substância. Os objetos a de Lacan, como a voz, por exemplo, “são, precisamente, aqueles que têm a propriedade de serem livres de substância, já que a sua origem é a metonímia significante”.
Com relação ao conceito de matéria, tem-se que, para Lacan, “a matéria que está em jogo no nó do sintoma é a matéria significante”, e é essa “que deve ser considerada ‘realmente’”. Para Lacan, ao analisarmos um caso de histeria conversiva, por exemplo, é a matéria significante que se converteu em alguma dor, paralisia, etc., e não o contrário. O substancialismo de Freud (e dos neurologistas, psiquiatras e muitos psicanalistas) postula que “primeiro está o corpo biológico, com seu cérebro, genes e energias e, depois, a palavra, a cultura, etc.” E Eidelsztein afirma que “uma forma a partir da qual se pode escapar do moderno ‘materialismo ingênuo’ das neurociências é, precisamente, com a teoria de Lacan do ‘isso pensa’”. “O argumento que foge do materialismo do neurônio é o inconsciente, se apresentando como ‘isso fala’, ‘isso pensa’, sem coincidir com nenhuma pessoa nem substância”: o sujeito de Lacan é impessoal, insubstancial e incorporal.
Eidelsztein afirma que, em Lacan, a ordem é sempre esta: “primeiro a cultura e o saber, depois a natureza”, e isso me remete ao que uma amiga bióloga me contava ontem pela manhã sobre a diferença entre o trabalho de preservação e de sustentabilidade: quando é de preservação, é frágil, ela me dizia, porque as pessoas não cuidam porque os seres humanos não se relacionam com aquela área, já quando é de sustentabilidade, o projeto dá certo. Entendi que a natureza “existe” nesse segundo caso, porque se fala dela.
E oferece um resumo ao final: para Lacan, (1) a natureza não se impõe, (2) o que faz um saber e (3) o saber não é de nenhum sujeito, não pode ser autorreflexivo, implica sempre a função do Outro e da operatória significante (Ⱥ) sob o modo de imisção.
SOBRE O REAL E O SER NA PERSPECTIVA DA ANTIFILOSOFIA DE LACAN
(Texto sobre a 4ª Reunião, do livro Outro Lacan, de Alfredo Eidelsztein, para a seção teórica de 26/03/2025)
Josiane Tibursky
Nesse capítulo, Eidelsztein vai abordar o real e o ser a partir da antifilosofia de Lacan e da ontologia do lacanismo. Lembremos que o autor defende que o real se articula à lógica para estabelecer o impossível que é lido e escrito em letras de álgebra e números, tal como operam a lógica e a matemática e que, por esse motivo, foraclui o sentido.
Segundo Eidelsztein, o lacanismo entende que Lacan contrapôs a antifilosofia ao valor do saber e ao “saber-todo”, o que significa que a questão seria de se posicionar contra a reflexão intelectual e o saber total, abraçando a castração, ou seja, a defesa de que não é possível saber tudo. O autor aponta que essa já era uma ideia de Freud, à qual chamava de “onipotência dos pensamentos”, e que “a visão de Freud está localizada exatamente na constituição de uma cosmovisão, uma ‘visão totalizante’, enquanto a psicanálise, segundo ele [Freud], está localizada no campo das ciências naturais e experimentais”.
A questão que está posta, então, segundo Eidelsztein, é a continuidade postulada na sequência de termos “pulsão-gozo-real-ser” apresentada pelo lacanismo, e ele propõe-se a abordar “o que essas continuidades significam, por que são estabelecidas assim, por que são tão evidentes para tantos psicanalistas e por que as sustentam e as supõem”. O autor defende que o problema é o modo como os psicanalistas as concebem. E, para explicar sua tese, convida à reflexão da concepção do ser, visto que a forma como entendemos a pulsão, o gozo, a prática clínica psicanalítica e a direção da cura decorrem de como abordaremos a questão do ser.
Eidelsztein aponta, utilizando-se de trechos do texto Amar seu sintoma e da conferência “Lacan Antifilófoso”, de Colette Soler, para como os lacanianos entendem o fim de análise a partir e uma concepção de eu que é igualada ao sujeito de Lacan, que claramente aponta para o ser, justamente o contrário do que é defendido por Lacan, que rejeitou sistematicamente o “eu sou” do cogito cartesiano, o tal “penso, portanto, sou”. De acordo com a leitura de Eidelsztein, Lacan nos informa sobre sua rejeição ontológica de pelo menos três modos sistemáticos, tendo na fórmula da alienação a “contribuição de Lacan com a qual ele tentou construir e fundamentar sua rejeição mais radical a qualquer tentativa de psicologia do eu ou de ontologia em psicanálise”.
Ao analisarmos a ideia lacaniana de que “o gozo substancial da carne é o real e deve ser abordado sem escrúpulos, sem nada que venha da cultura, da sociedade e da história, que é de onde são originados os escrúpulos”, veremos que ela vai ao encontro do eu, reforça a ideia de um eu autônomo, desconsiderando o Outro, a alteridade, como se o Outro realmente pudesse não existir, posicionamento que, sabemos, é contrário ao que é defendido por Eidelsztein. Além disso, diante da inexistência do Outro e do fato de o gozo ser proveniente do corpo, decorre que o sujeito seja responsável pelo seu gozo, posição que tampouco é sustentada pelo autor, viso que trabalha com a noção de que o sujeito ascende a partir da função do inconsciente: um saber não sabido que provém do discurso do Outro. Ou seja, a leitura de Eidelsztein não permite a aplicabilidade da noção de responsabilidade subjetiva, uma vez que o inconsciente só existe em imisção de Outridade. Fica clara, portanto, a dimensão que a teoria toma no encaminhamento da prática clínica e do que chamaremos de cura.
Enquanto Eidelsztein situa o real de Lacan do lado das ciências formais, conforme os modos de se fazer ciência no Ocidente, Jacques-Alain Miller “o coloca do lado da fenomenologia, porque ele postula que se trata da carne anterior a toda escritura significante, aquela dos dados imediatos. A substância viva seria o registro dos dados sem que ninguém fizesse a mediação, e isso seria o que é anterior e, portanto, fora do sentido”, reduzindo, assim, a fenomenologia a “fenômenos ‘experienciais’, visíveis, diretos, prévios à estrutura”. É a partir daí que se chega à famigerada noção de inefável, assunto da reunião anterior, que encaminharia para a lógica da poesia, e não da lógica-matemática. Abre-se mão do sujeito científico de Lacan para retornar (esse sim, um retorno!) ao romantismo alemão da época de Freud, arrastado pelo sofrimento do jovem Werther.
Se quisermos avançar na questão do real e do ser em Lacan, precisamos ter em mente que a estrutura de Lacan “é e opera, desde sempre, antes de qualquer experiência e fenômeno”. Para o psicanalista francês, “o Outro, o Outro da linguagem (Ⱥ), o significante e a linguagem sempre estão aí. Toda consideração do sujeito em psicanálise implica sempre o pré-requisito da imisção de Outridade”. Essa noção impede que se considere que algo proveniente do corpo biológico, anatômico, seja do registro do real e que afete um suposto sujeito ontológico previamente à aparição do Outro.
Quando os lacanianos sustentam que o ser é do corpo biológico, tido como real e desprovido de saber, estão desconsiderando o nó dos 3 registros, estão postulando que o real é primeiro e desatado. Eidelsztein explica que, “no mundo das ideias, essa abordagem se aproxima do que se chama ‘mística’. Mística é o que é experimentado como sobrenatural ou divino, sem ideia e sem palavra; é a experiência direta”. Aí fica realmente difícil de se sustentar a psicanálise enquanto ciência, não?
O autor prossegue dando o exemplo de religiões pré-cristãs como a dos mistérios eleusinos, que ingeriam uma droga alucinógena “para entrar em contato ‘direto’ com o inefável (enteógeno é o termo que os adeptos utilizam hoje em dia, justamente por entenderem que a substância proporciona o encontro com deus). Esse trecho me fez pensar que adotar essa leitura proposta da obra de Lacan não trata apenas de combater as noções dos nossos colegas lacanianos, significa, também, ir contra a ideologia atual majoritariamente na nossa sociedade. Mesmo os que são contrários a uma fé cega, aos desmandos da igreja, por exemplo, buscam, em experiências místicas, sejam elas sustentadas pelo uso ou não de uma substância, tocar isso que seja anterior à linguagem e que os lacanianos postulam como real. Ou seja, as aparências são distintas, mas a noção por trás é a mesma.
Quando leio Eidelsztein discorrendo sobre a noção de antifilosofia de Lacan e sobre o posicionamento de Lacan perante a ontologia e a leitura que é feita e defendida, me lembro de uma aula da cadeira de Linguística e Ensino, na faculdade de letras, em que o professor dava o exemplo de uma professora de ensino fundamental que tinha trabalhado meses com as crianças sobre hidroponia, tendo inclusive plantado e colhidos hortaliças, e, na hora em que as crianças eram questionadas sobre o plantio, respondiam: “Primeiro pega a semente, cava um buraquinho na terra, coloca a semente e coloca a terra de volta por cima”, ainda que, em nenhum momento essas crianças tenham lidado com terra, já que estavam justamente aprendendo sobre hidroponia! Simplesmente não lidaram com a nova informação. Para escutar algo novo, é preciso suspender o que se sabe, permitir-se ir além do que se conhece, e o ensino de Lacan vai na trilha dessa atitude diante do que se escuta, é sobre essa abertura para se ouvir um saber não sabido, que é rejeitado sempre que é igualado ao já sabido. Sei que o exemplo e minha exposição não são perfeitos, porque pode ser mal entendido o que estou dizendo acerca do inconsciente. Diz-se que Lacan ensinou não da posição de mestre, mas da de analisante, então talvez se trate também de ouvi-lo despidos de nossas pré-concepções e por isso também a necessidade de tantos neologismos, na tentativa de apontar para a novidade do que está sendo dito.
Texto sobre a Reunião 8, do livro Outro Lacan, de Alfredo Eidelsztein, para o encontro de 20/08/2025 do Grupo de Estudos de Linguisteria 3 - Filosofia/Antifilosofia
Josiane Tibursky
Eidelsztein informa que nesse texto irá “analisar a questão da linguagem do ser, elaboração feita por Lacan em torno do problema da metafísica e da ontologia”. A questão é se há ou não uma ontologia da linguagem. Eidelsztein defende que “há outro modo fundamentalmente distinto do ser”, pois o “ser” do parlêtre não é idêntico a si mesmo nem tem substância, não é, pois, o ser da ontologia. Esse “ser” da linguagem “se origina no não ser, no falar e no discurso, na história e na linguagem. É um ser do bucle significante (proveniente do significante e da hiância e feito de significante e hiância)”. Ora, esse “ser” é o sujeito.
Freud, a partir da leitura de Schopenhauer e de Nietzsche, rompe com a ideia do sujeito cartesiano ao elaborar sua noção de inconsciente e afirmar que “o eu não é senhor em sua própria casa”, e introduz o conceito de pulsão para dar conta dessa operação que divide o sujeito. Lacan, por sua vez, ao enunciar que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, aponta para o fato de que o sujeito surge no campo do Outro e que a consciência é apenas um efeito dessa estrutura simbólica. Tem-se, então, que a tomada de consciência não liberta. Pelo contrário: muitas vezes alienar-se na consciência é resistir ao inconsciente. O sujeito de Lacan é falta-a-ser e a pulsão bordeja a falta, o buraco, o vazio.
Em relação à tomada de consciência, portanto, Lacan tem uma resposta diferente da de Freud. Como vimos, o pai da psicanálise responde a essa questão com uma noção ontológica, ao passo que Lacan o faz com sua noção de real (salientando-se que o real de Lacan não se refere à energética freudiana). Freud com o natural, Lacan com o formal.
“O que Lacan está propondo é uma ontologia derivada do intervalo do inconsciente. É a ontologia do intervalo, em relação íntima com a função do inconsciente e do desejo.” Ou seja, o “ser”, ao que nomeou sujeito, é negativo e insubstancial, visto que é produto da dialética entre S1 e S2. E a ontologia do intervalo, por ser criada pela cadeia significante e, portanto, estar calcada na ordem significante, é paraconsistente. Estamos diante do estatuto ontológico do intervalo, do desejo e do inconsciente.
A partir do exemplo “Cervantes é o autor de Quixote”, onde “Cervantes” é o S1 e “Quixote”, o S2, Eidelsztein aponta que esse “é” possui uma “função relacional conectiva que se localiza no intervalo. Ou seja, ele defende que Lacan aponta para o esquecimento de que a própria ideia do “ser” é uma criação da cadeia significante, e não algo exterior e anterior à linguagem. Ou, dito de outra forma, “toda existência do ser e do ente é logicamente posterior à articulação da cadeia significante”. Lacan rompe com a tradição ontológica da filosofia ocidental e afirma que tanto o ser quanto o não ser provêm da criação ex-nihilo.
Segundo Eidelsztein — e o próprio Lacan, de acordo com o autor —, a “mitologia ontológica” surge a partir do déficit teórico da psicanálise. E é a partir da falha teórica e da mitologia ontológica, a que Lacan chama de “filosofia comum psicanalítica”, que advém a tendência biológica. A questão fundamental aqui é que essas duas visões abrem duas possibilidades muito distintas e que vão acarretar uma série de consequências: ou se faz psicanálise a partir do discurso do mestre e, desse modo, se faz filosofia, ou se faz psicanálise a partir do discurso do analista, assumindo-se uma posição antifilosófica. A adoção de uma ou outra posição leva a posicionamentos distintos na clínica, com certeza, e o posicionamento chamado por Eidelsztein de lacaniano pode acabar por inclusive comprometer a continuidade da própria psicanálise, não só porque deturpa a formação do analista, mestrificando-a, mas também porque se vale de uma teoria muito frágil.
Para fazer frente à tendência à ontologização da psicanálise e na tentativa de dar à psicanálise o estatuto de ciência, formalizando-a, Lacan recorre ao discurso matemático, que não trata de ontologias nem de nada da ordem do individual, por operar com objetos teóricos abstratos.
Eidelsztein propõe que consideremos o conceito de existência para pensarmos o parlêtre enquanto de uma dimensão outra que não a ontológica. Ele existe, embora não “seja”. O ser é somente produto do pensamento, é criado pelo significante e seu registro, e é também significante, estando em imisção de Outridade, e é por isso que podemos dizer que ninguém é causa de si. O sujeito lacaniano não é, mas existe, “é um sujeito meramente formal, não dividido entre a carne e a palavra, mas entre saber e verdade”. O sujeito, que é forjado na experiência analítica, é dividido a partir do corte do analista, que almeja alterar a estrutura da banda de Moebius.
Ao ensinar a fazer leituras mais densas, a professora universitária aponta a falha de pular o que não se entende e de reforçar o que já sabemos e concordamos. A essa lembrança somo outra, que já trouxe em outro texto, a da professora que, com os alunos do ensino fundamental, plantou conforme as técnicas da hidroponia e, ao lhes perguntar como se planta, eles responderam: “Primeiro a gente abre um buraquinho na terra e depois coloca a sementinha dentro.” O esforço de entender — não de elucidar —, sabemos, não é pequeno e requer algum saber-fazer com a angústia.
Reunião 1 - A noção de corpo na psicanálise de Lacan
Patrícia Mezzomo
A psicanálise de Lacan revoluciona a compreensão do corpo, desafiando a visão tradicional do nosso ocidente. Em seu texto, Eidelstein revela o fundamento do engano que levou comentadores a interpretarem o corpo como real.
O autor nos aponta o engano daqueles que leram Lacan, mas aponta também o outro engano. O engano que causa o engano. O engano que inverteu o sentido de sua obra e que revela algo ainda mais fundamental, a saber, as bases do pensamento ocidental moderno.
Estamos capturados pela imagem das coisas e atribuímos ao que vemos, substância, peso e valor. Dizemos que aquilo que vemos é aquilo que é.
Um lacaniano que se aproprie da expressão “cortou no real do corpo”, nada mais revela senão seu paradigma ocidental de raciocinar o mundo das coisas tal qual Aristóteles que vê o mundo como composto por coisas com substância e forma. Sua ousia (οὐσία) define entre algumas coisas, aquilo que faz algo ser o que é, a realidade fundamental.
Esta noção influenciou profundamente a filosofia ocidental, especialmente a metafísica e a ontologia, e levou a própria psicanálise a tratar o mundo e consequentemente, o corpo, como uma entidade fixa e objetiva, confundindo o registro do real com carne, matéria e substância.
Contudo, Lacan tentou dar outro corpo à intuição do analista. Tentou que ela se guiasse pelo nó borromeano, que isso fosse o que desse a base material ao sujeito da psicanálise e sua prática. Uma base material que nos apresenta um sujeito que difere do eu e portanto difere do corpo. Um corpo que é construído pela linguagem, pelo discurso, pela topologia e não pela biologia.
Para Lacan, o corpo é aquilo que habita e se submete ao discurso, que faz laço social. Primeiro discurso como laço, depois o corpo. O que “faz órgão” para o sujeito, é a linguagem. Não falamos de um corpo animal, mas sim de um corpo de linguagem.
Mas como apresentar a uma cultura tão aristotélica, outra base material, que não pode ser vista e nem tampouco tocada? Onde vive esse tal do sujeito que não é o corpo e que só pode ser revelado em uma análise pessoal?
Diante disso, surge uma pergunta: o que fez nossos psicanalistas aristotélicos inverterem aquilo que liam? É intrigante o fato de que esses leitores não tenham percebido o sentido daquilo que liam e de alguma maneira lerem justamente o oposto. Seria possível ler a proposta de Lacan, sem ter a própria proposta experienciada em uma análise pessoal? O fracasso foi teórico ou analítico? Falamos de um fracasso de Lacan ou de um fracasso lacaniano?
Pensar sobre isso é pensar sobre a importância de revisitar as fontes originais, questionar as influências teóricas que moldam nossa compreensão da psicanálise, principalmente suas consequências e questionar a própria práxis que funda nosso ofício.
Reunião 2 - A insubstância como suporte material
Patrícia Mezzomo
Desde a leitura do primeiro texto, me causou intriga a confusão feita pelos leitores de Lacan a ponto de fazerem uma inversão no sentido de sua obra e consequentemente no sentido da direção do tratamento.
O tema do imaginário me parece ser de vital importância para a compreensão da proposta que Eidelsztein nos traz, acerca do texto de Lacan.
Será que o registro do imaginário, que é o registro do afã de consistência mas que produz o engano, permeou a leitura de Lacan, causando uma confusão e fazendo com que os leitores tomassem por real, aquilo que é imaginário?
No primeiro capítulo vemos isso acontecendo com a leitura do que é o corpo em Lacan e do que é o corpo para os lacanianos. Nos deparamos agora com novos conceitos que foram lidos de maneira inversa, e reforçados por uma tentativa de elucidação que talvez possa ser tomada por uma elucidação imaginária.
Lacan afirma ao longo da sua obra que o imaginário causa dois tipos de engano. O primeiro refere-se ao eu - “Eu sou eu” - o segundo vai mais além quando afirma - “Eu sou meu corpo visível”.
É com foco no segundo engano que devemos tentar nos aproximar do entendimento do fracasso da transmissão do ensino de Lacan.
Na página 50 do texto, um comentário nos aponta uma possível causa da inversão do sentido da obra, a saber, o discurso do Mestre.
Mestre é aquele que sabe, que porta um saber, um sentido. E tudo aquilo que não se apresenta seguindo este mesmo sentido, por lógica, se coloca em oposição a este saber. Vai contra.
Ora, é senso comum no nosso campo, o caráter disruptivo e subversivo do psicanalista francês. Disso não há muita dúvida. A pergunta que fica é: será que sabemos que subversão do discurso do mestre é essa que Lacan nos propõe?
Pois me parece que é justamente o não entendimento, ou melhor, a não aceitação, desta disrupção que faz com o que o leitor de Lacan, apoiando-se no discurso do mestre vigente de sua época, acabe invertendo o sentido que já era contrário, proposto por Lacan. Não ironicamente, inverteu-se a inversão e ficou tudo na mesma. No mesmo discurso aristotélico ocidental que perdura há tantos séculos, e que nos diz que as coisas são na medida que eu posso senti-las, tocá-las e principalmente, vê-las. A visão tem função de destaque imaginário. Lembremo-nos o que foi dito mais acima: “Eu sou meu corpo visível”. De alguma maneira Aristóteles acredita na consistência do que vê e carrega consigo todo o ocidente. Esse é o discurso do mestre ao qual Lacan se opõe e fracassa. Ele nos diz que esse é o engano. Estamos confundindo o registro do real com tudo aquilo que entendemos portar consistência.
Cito ainda a página 50, agora no final, para que o próprio Eidelstein possa explicar a resistência em capturar a ousadia de Lacan:
“Nos últimos anos do ensino de Lacan, percebe-se uma proliferação de neologismos. Esse é outro dos motivos pelo qual muitas vezes é preferido, em função da dificuldade teórica, a elucidação realizada pelos comentadores, deixando de lado o texto de Lacan. Não apenas porque a elucidação é clara e propõe algo evidente na ideologia vigente, mas também porque, não é que Lacan era incompreensível pelo seu barroquismo, nem mesmo por seus neologismos, mas porque o conteúdo do que ele diz resulta inverossímil. Isso favorece muito a preferência pela elucidação, deixando de lado o afirmado por Lacan. É que Lacan é incompreensível, mas se ficasse claro, ou se estivesse perto de se entender um pouco seu ensino, aquilo que ele afirma, inclusive a respeito de Freud, seria subversivo demais. Tamanha a novidade que não teve termos da língua para dizê-lo e por isso produziu essa grande quantidade de neologismos”.
Gostaria de marcar o subversivo demais. Pois acredito ser disso que se trata o fracasso. É disso que se trata a inversão do dito francês. Eu ouço mas não aceito, portanto inverto. Inverto para o já vigente discurso de uma base material visível e passível de ser tocada e portanto “verificada na realidade”.
Mas como é possível Lacan afirmar uma existência quadridimensional, exilada na linguagem? Inverossímil me parece pouco aos meus ouvidos aristotélicos que traduzem em angústia aquilo que ouço. Talvez por isso esse livro cause tantos afetos, talvez porque Eidelstein esteja conseguindo cercar o tema do fracasso, que é o tema do exílio do ser.
Esse é o giro para a linguagem, o giro linguístico que nos diz, que há um ser, mas ele não está naquilo que vemos ou tocamos, mas naquilo que é dito. O ser habitando em exílio a linguagem.
Cito Eidelstein novamente, agora na página 53: “exilados na linguagem é muito diferente de habitá-la, já que habitar dá a sensação de uma relação de inclusão, em grande medida, pacífica e harmoniosa. Mas, Lacan afirma que a vida do homem e da mulher se caracteriza por estar em exílio na linguagem. Assim, “homem” e “mulher” não possuem lugar natural, nem na natureza nem na linguagem, já que sua relação ali é impossível de escrever”.
O título desta reunião é: Sobre natureza, substância e matéria no ensino de Lacan. Seriam estes, os locais em que ao nos tornarmos seres de linguagem, tenhamos sido exilados?
A teoria de Lacan é a da contra-natureza, da insubstância e do moterialisme, neologismo que me parece de extrema significância, pois nos comunica que a nossa base material é a da palavra e não da matéria, já que “mot” em francês também significa palavra.
Nossa morada é a linguagem e ela é frouxa, não temos onde nos segurar. O significante desliza metonimicamente e se substitui metaforicamente. A solução elucidada me parece apresentar um corpo biológico como opção para fazer suporte. Mas isso, orienta um evidente individualismo substancialista. Estaríamos isolados em nossos corpos materiais?
Mais uma vez Lacan subverte e nos apresenta outro suporte, que não o corpo biológico, mas sim, o furo. E mais uma vez ele nos causa vertigens ao nos tirar as referências do discurso comum, nos colocando a “pensar com os pés”. Não sei se foi isso que ele quis dizer com essa expressão, mas a mim só me resta pensar com o lado oposto do corpo para encontrar o novo sentido de sua proposta. É a partir do furo que ele teoriza sua substância. A substância é resultado da eficácia, não do fracasso, mas da eficácia, da linguagem cujo suporte é o furo. O furo é suporte! O furo é a substância! O furo é o objeto a, pelas palavras do próprio Lacan: “… e que não é por nada que o chamei pequeno a, é, a saber, a substância de vocês, a substância do sujeito, na medida em que, como sujeito, vocês não tem nenhuma…”
Aqui é um ponto impactante. Na nossa tradição linguística e filosófica, “substância” é geralmente utilizada para indicar o ser, a essência e a natureza de algo. Ou seja, para a ontologia ocidental, o ser é substancial. Isso é exatamente o oposto do que Lacan está propondo. Ele nos dá o objeto a como substância. Ele nos dá o furo, em torno do qual ex-sistimos! “Tudo aquilo que seja concebido e apresentado como objeto a deve ser, existir carente de ser substancial”.
Lacan subverte a filosofia com a sua psicanálise. Tudo o que haveria do ser, no sentido da filosofia ontológica que reina entre nós, para ele é loucura, engano, caso seja apresentado substancialmente. O ser com o qual nos deparamos, pelo menos na psicanálise, sempre vai estar “ao lado do ser”, deslocado do ser. Ou seja, há um ser em Lacan, mas ele não é substancial e está exilado.
Ainda citando Eidelstein: “Lacan pensa a psicanálise pelo avesso de Freud e esse é outro motivo para que não se entenda o que ele diz. Para poder ler a proposta de Lacan, é necessário criticar o substancialismo de Freud, já que é possível que muitos psicanalistas, com algumas diferenças, também estejam afirmando a mesma coisa que os neurologistas: que primeiro está o corpo biológico, com seu cérebro, genes e energia e, depois, a palavra, a cultura etc.”
Mais uma vez terei que usar meu pés, pois me descubro ainda substancialista já no final do capítulo. Como pode uma palavra vir antes do aparelho que a profere?
Recorro a Eidelsztein que nos oferece o “isso pensa” para afirmar que há algo que se pensa sem os neurotransmissores. E isso é o inconsciente. O inconsciente é o argumento contra o materialismo do neurônio. “Isso pensa” e “isso fala” sem coincidir com nenhuma pessoa ou substância. O sujeito de Lacan é insubstancial e incorporal. Não é necessário que alguém saiba, para que haja o saber não sabido do inconsciente. Isso se sabia mesmo que ninguém soubesse. O paradigma da neurologia pode ser subvertido com o inconsciente de Lacan, que afirma que existe o fato do dizer e que, para esse dizer, não é necessário autor. Se não há autor, os neurônios não explicam os textos. Para nós o saber não está na cabeça de ninguém.
O isso está apoiado em um furo que é o da insubstância ou o moterialisme. Se acreditamos que se trata de neurônios ou corpo, vamos cair no engano substancialista e, então, não poderá ser aceita a criação ex-nihilo, nem será admitido o objeto a e nem o parlêtre. A matéria é a palavra, mot, moterialisme. Lacan é explícito ao afirmar que a matéria é originada do material significante. Nos apoiamos realmente no furo significante.
Lacan foi o único psicanalista e o único pensador que sustentou que os fatos de nossos padecimentos e da nossa felicidade são, existem, consistem e se apoiam em um mundo que é de linguagem e habitam, fundamentalmente, nos furos espaciais que dissolvem as crenças na substância. Tudo isso é de uma subversão radical e não a toa tenha sido rejeitada por quem o leu e o transmitiu.. Há que se inverter toda a forma de se pensar a existência, o ser e a realidade. Mas de maneira nenhuma me parece inverossímil. O que me parece é ser urgente e necessário a reforma do nosso entendimento ontológico. É o estudo do giro para a linguagem, onde ali encontraremos o sujeito insubstancial da psicanálise e da ciência moderna.
Primeiro enlace - lamella
Patrícia Mezzomo
“A lamela é aquilo que, do organismo, na operação de separação do efeito letal do significante, se segura no sujeito”. “Os animais não possuem corpo algum, apenas organismo”.
Eidelsztein nos apresenta essas duas frases em momentos separados de seu texto e que tomo a liberdade de juntá-las para uma tentativa de entendimento desse insubstancial incorporal do sujeito da psicanálise.
Pois bem, a lamela é então aquilo que, do animal - e aqui está minha modificação - na operação de separação do efeito letal do significante, se segura no sujeito. Se apenas os animais possuem organismo e se a lamela é aquilo que, do organismo se segura no sujeito, poderíamos interpretar que essa superfície bidimensional é algo que sobra, um resto do animal?
E por ser resto de um corte letal, algo que perde seu lugar original, posso pensar nesse resto, que faz equivalência com o objeto a, como um exilado do animal na linguagem?
O texto me trouxe mais perguntas que respostas e não é fácil abrir mão de tentar respondê-las. Talvez seja essa a função de resto, algo que não se encaixa, que não funciona, que não responde, mas que existe, que tem função e que determina.
Como uma superfície bidimensional pode substituir a libido e ser um equivalente do objeto a, simultaneamente, tal como o texto propõe?
Lacan apresenta a lamela como um mito destinado a encarnar a parte faltante. Um mito que opera como sexuado mas só pode participar do furo.
Me ocorre que tentar entender o que “é” a lamela talvez seja a confusão primordial do nosso viés ontológico. E aqui me empresto do próprio Lacan numa tentativa de mudar a rota desse “ser”: “O importante é apreender como o organismo vem a ser apanhado na dialética do sujeito”.
Isso me parece elementar para capturar a essência do dito em seu ensino. Não importa o organismo, ou seja, o animal em si. Não importa porque não é representável, não está lá como animal mas sim como ausência, como furo, como real. O importante é como esse furo, vem a ser apanhado na dialética do sujeito, ou seja, o que importa é como ele vem a ser dito, falado e participando em sua ausência e não em sua presença.
Sempre pensei no conceito de objeto a, como um resto de linguagem, algo que caiu da própria linguagem, aquilo que a linguagem não abarcou em si e que fica de fora. Porém, com a lamela, meu raciocínio segue outra direção e me faço uma última pergunta. Seria o objeto a, não um resto da linguagem mas um resto do animal e que, justamente por ser animal, não entra na linguagem e sobra?
Eidelsztein finaliza seu texto com a pergunta: “Quem admite hoje , entre seus leitores, que a linguagem é o corpo e é o nosso material?”
Já que a linguagem é nosso corpo e não o organismo, já que a linguagem é o nosso material, seria o objeto a, o animal que não cessa de tentar se inscrever na linguagem?
O retorno ao real
Patrícia Mezzomo
Por que Lacan retorna? Retorna para onde?
O retorno a Freud sempre me pareceu algo dado como entendido na teoria lacaniana. Afinal, retornamos para retomar o que fora perdido nas gerações seguintes. Acreditava eu que Freud havia inventado a psicanálise e que seus seguidores haviam-na suprimido em nome de uma psicologia do ego. Pronto, tínhamos o entendimento e o culpado, o mau leitor de Freud. E Lacan, o elucidador, do erro, que retorna para corrigir a rota.
Então surge Outro Lacan para provar que o entendimento é a substância do registro imaginário, e que a subversão de Lacan sempre está onde menos imaginamos.
Mas então Lacan retorna para se opor? Se opor ao Mestre? Não à toa, foi excomungado, afinal tal heresia só seria digna de um punição a altura, com caráter religioso, tamanho pecado proposto.
Mas bem, voltemos à pergunta. Retorna para onde?
E nisso me pergunto, porque Lacan usou a palavra retorno? Porque não disse logo que estava se opondo a Freud sem voltas linguageiras?
Logo me apego ao exemplo de uma estrada. Porque um motorista decide retornar? Porque, me parece, no retorno está implícito, a busca do sentido oposto!!! Retorna-se para seguir em outra direção, outro Lacan! Porque não percebemos isso?
“Em francês, retourner significa, fundamentalmente, virar, revolver, virar do avesso, desorientar”. Volto ao dicionário. Desorientar: perder a direção correta, deixar de ter rumo, desconcertar, agir confusamente. Acho que o retorno deu certo! Eidelsztein segue: “Para estabelecer os efeitos de verdade que podem ser localizados em uma leitura de Freud, é necessário voltar a dizer o que propôs Freud, mas invertendo o sentido”. O efeito de verdade, segundo Lacan, encontra-se quando deixamos a direção correta. Correta para Freud, neste caso.
E ainda na analogia da estrada, me parece que o retorno se fez necessário também, pois a frente não havia mais asfalto, mas um muro, uma parede, um rochedo - da castração. Parece-me que o freudolacanismo decidiu lapidar tal rochedo até que se tornasse imaginariamente real e por uma sorte do “destino” me vejo com esmeril em riste, optando pelo caminho do retorno.
Mas antes de seguir em frente, me questiono sobre tal muro. Preciso saber se realmente o sentido não é mesmo aquele que seguíamos.
Recorro ao repertório teórico, e penso: o que faria algo da linguagem se tornar um rochedo? Minha mente sugere o significado no lugar do significante. Uma análise só empaca, quando o analista se perde do seu lugar de escuta do significante e passa acreditar que o que ouve é mesmo aquilo que ouve e se dá por satisfeito. Aqui cito Eidelsztein: “O sentido nunca perderá a forma de interrogação. Se acontecer, passou a ser significado…”. Vejo então a palavra solidificar-se em rochedo de significado.
O que sustenta uma teoria?
Eidelsztein para além de todos os argumentos teóricos que utiliza em seu Outro Lacan, também nos conduz pela disciplina teórica em si. Afinal é necessário que se saiba o terreno teórico em que se pisa, ao defender uma posição.
E para tal, há que se formalizar a teoria através da ciência. A ciência formaliza o método mesmo que não nos prometa respostas. Ora, não é disso que vive o psicanalista?
Freud, em sua ciência, encontrou o inconsciente e tentou explicá-lo pegando o sentido do biologicismo, encontrando um muro material aristotélico e corporal. Lacan retorna e segue em sentido oposto, rumo a uma outra ciência, a ciência lógico-matemática, a ciência das letras matemáticas, respondendo com a criação do seu conceito do real.
Ele retorna para ir mais além. Mais além do significado. Essa é a solução para o rochedo da castração. Lacan inverte porque Freud pegou uma “rua sem saída”. A escolha teórica freudiana impede o real de Lacan. Com freudolacanismo não é possível entender esse real.
Mas por que o real?
“Não se trata do inefável, mas do impossível de se escrever matematicamente. A letra lógico-matemática, como também o número, carecem de significado, e ao carecer de significado, é impossível que se possa estabelecer ali o sentido, porque o sentido é mais além deste significado” e implica a pergunta: o que queres me dizer com isso que me dizes?”
Aqui Eidelsztein aponta o sentido proposto na oposição a Freud. “o sentido é o equivalente à pergunta pelo que Outro quer dizer mais além do que diz, que não supõe de forma alguma que ele o saiba”.
Penso que justamente por ser o impossível-lógico de se escrever, é essa a maneira de manter o caminho aberto para a metonímia significante, que desliza sempre em busca de algo mais, em busca do mais além do significado. A única via possível capaz de se opor o rochedo da castração e ao real corporal.
Michele Roman escreve: “A direção do tratamento não é de fechamento, mas de abertura de sentido, não está do lado do significado, mas da significação por meio da qual se produz o esvaziamento de sentido que desaliena o sujeito de suas determinações significantes - não está o significado, mas o “não-sentido” no horizonte da análise”.
Mais uma vez Lacan surpreende e revira o sentido ao nos propor ir em direção ao real para se opor a ele!
“O advento do real não depende em nada do analista. Sua missão, a do analista, é ir contra”
Lacan faz oposição a Freud e faz oposição ao Real, mas considero muito diferentes as duas oposições propostas. Em Freud vemos um retorno, para que se possa seguir em frente, um retorno pois não é possível atravessar o rochedo corporal, material, biológico, o rochedo do significado. Só nos resta, revirar e seguir sentido contrário, veja bem, seguir, continuar. Já no real, não se trata de seguir, mas sim de contornar, formular e calcular, fazendo oposição com o mais além. Estamos falando de um rochedo que não é rocha, mas sim buraco. Buraco no qual se dá voltas e voltas, se opondo ao impossível ao contorná-lo.
Buraco que responde se opondo a rocha. Vazio que pede por mais e não conclui. “Não pode existir desejo se não há mais além da demanda, isso na clínica psicanalítica é fundamental: deve ser dito: porque, do contrário, não é possível o mais além do dizer. O sentido somente aparece mais além do significado”.
Sentido do desejo, o asfalto teórico que escolhemos pisar.
O fracasso do discurso do analista
Patrícia Mezzomo
Texto escrito para a Sessão Teórica da Escola de Psicanálise Estrutural - EPE
Quando Eidelsztein postula em sua contracapa que a psicanálise proposta por Lacan de forma explícita foi e é lida de maneira contrária, talvez não seja possível ao leitor, sem adentrar as páginas de seu texto, ter exata dimensão da significação desta maneira contrária de se ler Lacan.
O desafio que o autor nos trás é entender tal inversão teórica, e talvez a reunião 4 seja o capítulo que nos apresente mais brutalmente o fracasso de Lacan, que é o fracasso do seu discurso - o fracasso do discurso do analista e de carona, o fracasso da clínica psicanalítica.
O que afinal - se conseguirmos entender a proposta teórica de Lacan que é a de fazer advir o sujeito - podemos entender como esta inversão que Miller defende? Seria fazer submergir o sujeito? Assujeitá-lo (ainda mais)? Fazer advir o eu? Me parece chocante a proposta invertida que coloca o eu como objetivo clínico e mais chocante ainda, que isso tenha passado despercebido a todo um campo de trabalho teórico clínico.
Livros e livros escritos sustentando tal teoria, a ponto de fazer valer o velho ditado de que: uma mentira dita mil vezes torna-se uma verdade. Acho até que mil é um número baixo, se aplicado ao nosso campo.
Eidelsztein segue sempre seu texto, marcando que sua posição é de uma luta teórica, mas me parece que o eixo pulsão-gozo-real-ser também nos arremessa diretamente às graves consequências clínicas de tal inversão da letra de Lacan. E como Eidelsztein mesmo nos confirma: “Depende de como abordamos o problema do ser, a forma com que entendemos a pulsão, o gozo, a prática clínica em psicanálise e a direção da cura”.
Novamente vemos marcada a inversão da direção, do sentido, do norte. Invertida para ir de encontro com a substância material do corpo e batendo em retirada do “moterialisme” proposto pelo francês.
Ao falasser cabe sua “relação” com o gozo. Millerianos, lacanianos, aristotélicos, biologicistas pegaram o caminho óbvio de seu viés, o corpo, o material, aquilo que é visto e pode ser tocado. O gozo do corpo real! Não se trata, como se diz em francês de jouissance, “ouvir sentido”, pois isso os colocaria de frente ao campo da linguagem e lhes embaraçaria diante de tal confusão teórica. A solução, me parece adequada ao que se propõe teoricamente porém gravíssima, no meu ponto de vista, nas consequências clínicas.
Eidelsztein nos sintetiza, ao final de seu texto, tal proposta lacaniana: a meta é o discurso do mestre! Mas que mestre? O gozo, o sentido, o ego, o sintoma, a doença! Não canso de me chocar. Então o analisante nos procura porque sofre de excesso de sentido, e o psicanalista lacaniano só tem a lhe oferecer mais sentido ainda? E agora colocando este sentido na posição de mestre (se é que já não estava)? Não teria sido melhor procurar uma igreja? Afinal, entre gozo e Deus, talvez o paraíso ofereça alguma vantagem maior do que esse enlouquecimento em que vive aquele que fala.
Sentido do desejo, o asfalto teórico que escolhemos pisar.
Cito Eidelsztein novamente, para tentar encontrar alguma explicação desta loucura: “Não se surpreendam, isso - o gozo do corpo funcionando como mestre - tem muitíssimos efeitos terapêuticos - positivos e negativos - segundo a ética do psicanalista em questão - Miller. O ser, em nossas coordenadas sociais e culturais, é uma necessidade do mestre, uma necessidade do discurso do mestre, que reforçada produz seus efeitos; o que se deve pensar é: qual a perspectiva psicanalítica nos efeitos buscados? Uma submissão amigável?”
Ahhhh, o sonho do neurítico enlouquecido, o sonho da bela alma! Aquela que não se reconhece como causa da própria desordem que ela denuncia no mundo e se apoia no saber de um Grande Outro para que siga descomprometida de seu próprio sintoma.
Quanto mais vou de encontro ao que Lacan tentou dizer, mais me apercebo entendendo a resistência de seus leitores em não escutá-lo. Lacan não propõe uma inversão apenas. Ele nos tira a garantia. Ora, diante de um homem já fragilizado com a queda suprema de seu deus medieval, tornar-se agora o centro “vazio” do mundo, parece requerer um tipo de coragem a qual acredito, esse mesmo homem não estava disposto a encarar. Quase posso ouvi-lo dizer: “Se serei eu o centro do mundo, tenho que ser algo, não posso ser nada. Ao menos um corpo eu serei”.
A queda de deus, do pai e portanto de garantias, nos arremessou direto ao abismo do vazio que imagino seja a sensação do caminhante do cadafalso rumo ao seu fim no infinito do oceano!
Não à toa enlouquecemos. Nos fazendo belas almas, ignorantes a tudo e a todos, sempre em busca de algo, qualquer coisa, que nos dê sustentação material, a qual nos agarrarmos.
Acho que consigo entender o que Eidelsztein diz quando escreve: “O ser, em nossas coordenadas sociais e culturais, é uma necessidade do discurso do mestre, que reforçada produz seus efeitos.”
Não fica difícil fazer analogia de tal proposta ao tratamento das psicoses, quando Lacan orientava a busca de uma igreja. Se o nome-do-pai já estava foracluído, então que possamos substituir com um metáfora estável há tantos séculos. Mas para aqueles neuróticos que já não encontram um “deus” garantidor e são herdeiros justamente desse luto, a psicanálise oferece nada menos que um corpo!!!!!!! Seria um ato de desespero ou de loucura?
Não sabemos se estamos diante da loucura ou da psicose, mas me parece que o grande problema da psicose, que é a impossibilidade de formalização, pode se aplicar a nossa situação atual, no que diz respeito a teoria. No campo da linguagem, a falta de uma fórmula comum, denominada de inscrição do nome-do-pai, impossibilita ao psicótico, metaforizar sua angústia em falo. Sem lei e sem fórmula, diante da angústia, enlouquecemos ou psicotizamos. No campo da teoria psicanalítica, Miller tampona essa angústia com o material biológico do gozo do mestre corporal. Já Lacan, diante deste vazio, não tampona, formula. Vai buscar nas ciências do negativo, a fonte de seus matemas, discursos e formulações do real, que, como bem marca Eidelsztein, somente apresenta-se enodado ao simbólico-imaginário e não ao inefável do corpo místico isolado e sem linguagem. Lacan nos apresenta o discurso do analista, do objeto a, o discurso do não-ser, não-ontológico, como posição e meta de uma análise, exatamente o oposto ao que Miller quer fazer valer e parece ter encontrado êxito reforçando ainda mais a ideia de que o fracasso de Lacan foi do discurso do analista.
Para que não sejamos vítimas da uma “vergontologia”, mais um neologismo de Lacan, tentando tamponar nossa angústia e nossa teoria com o discurso do ser substancial, devemos nos aventurar pelo campo esvaziado de sentido desse ser. Há que se abrir mão do sintoma, do jouissance, para que seja possível uma extração lógico-matemática que nos tire dessa lógica infernal que somente o inefável e místico seria capaz de solucionar. E a saída está nas ciências modernas, na linguística, na antifilosofia, na topologia, e na matemática.
Espero apenas que não escolhamos, em um futuro próximo, o caminho de um deus agora matemático.
“Eu sou indemonstrável e verdadeiro”. Gödel
O recalque de deus
Patrícia Mezzomo
À medida que avançamos neste Outro Lacan que Eidelsztein nos apresenta, fica evidente a necessidade do entendimento histórico e cultural que nos trouxeram até os dias de hoje, e é justamente no capítulo sobre metafísica e ontologia que esse quiprocó vai tomando forma.
Porque afinal a metafísica tornou-se uma ontologia do ser? Porque essa ontologia surge justamente na época do começo da ciência moderna ocidental?
Não é possível ignorarmos - e Eidelsztein não nos deixa - que esses temas possuem importantíssimos marcadores históricos. A queda de um império religioso para o surgimento de uma revolução racional não teria como deixar incólume o humano de sua época.
E daí surge a pergunta: Teria o homem moderno recalcado o Deus de seu passado em nome de uma liberdade racionalista e científica? E sendo assim, seria a ontologia, o retorno deste recalcado, ressurgindo como um ser primeiro, chegando a alcançar o status de inefável em nosso campo psicanalítico?
Não parece espantosa a aproximação do empirismo, com a ontologia do ser e o discurso do mestre quando pensamos no papel de suplência destes a um deus morto. Mestre é aquele que diz como as coisas são e se ele diz, é porque realmente são, já que ele é o mestre e tem a experiência. Está dada aí, a fórmula do homem moderno temente ao mestre? Teríamos trocado deus por mestre?
Como Edelsztein nos aponta: “O ocidente tende a transformar o abstrato e teórico em empírico substancial”. Mas por que? Por sintoma? E por que a sutura é ontológica? Por que para além da física, ou seja, porque a metafísica foi de encontro ao ser?
Penso que um caminho para elaborar uma tentativa de resposta desta pergunta é o que o autor nos afirma logo no início do capítulo: “É no substancialismo que se produz o declive”. A substância é o próprio discurso da sutura, do fechamento, do encerramento. O ser material, o corpo biológico, Deus, o Mestre, nada disso é aberto ao furo, ao avanço, à investigação, à crítica. A função de Deus e de seus substitutos é a de suturar a hiância com o discurso ontológico. Porém, o discurso do ser impede o formalismo e a ausência de formalização leva ao substancialismo, caminho oposto à ciência do real.
Para lacanianos temos o impossível de dizer, portanto inefável, encerrando a questão. Mas para Lacan o impossível de dizer é possível de fazer nota. Não encerra, avança para a lógica-matemática. O avanço se dá na abertura, no vazio, na formulação científica.
E é com essa ciência que o analista pode fazer avançar o discurso do analisando. O analista talvez seja aquele capaz de poder fazer cair deus, cair o mestre e também ele próprio, para que com isso, caiam os sintomas, abrindo espaço para a produção de um novo tipo de saber e de verdade. Um valor de saber que não está autorizado por quem o diz, ou seja, pelo mestre. Um saber ateu me pergunto? Seria a matemática uma ciência sem mestre?
E sendo a matemática uma ciência sem mestre, uma saída da ontologia para a formalização que nos arranca do imaginário substancial e sendo também, como propõe Lacan, a ciência do real, fica então a pergunta final: seria então possível uma psicanálise sem matemática? O que significaria uma práxis ausente de matemática?
Creio podermos testemunhá-la no dia-a-dia do nosso campo até e principalmente nos dias de hoje.
A origem do ser
Patrícia Mezzomo
Especulações sobre o ser atravessam o humano desde sua origem. Mas qual origem, se não há uma?
Ao afirmar, imediatamente me contradigo e percebo o ato comum daquele que fala: falar sem saber do que fala.
Somos uma espécie sem origem. A origem está perdida. Ninguém sabe explicar de onde viemos e para onde vamos. Algo falta e como bem sabemos enquanto teóricos da psicanálise, é em volta da falta que giramos, tentando fazer borda ou fórmula.
Vejo então uma civilização girando em torno do furo da origem. Biologia, filosofia, física, cada uma à sua maneira, tentando fazer borda com o tal tema do furo.
E é nesse furo de ignorância que surge uma dúvida. Porque a filosofia, já que é dessa disciplina que tratamos aqui e consequentemente de seus furos, ao especular sobre a origem, foi em direção ao ser?
Como bem mostra Eidelstein, Heráclito e Parmênides, já lá no ano 500 a.c. se questionavam sobre o ser e sua origem e sabemos não serem os únicos.
Fui então ao dicionário
Origem: início de uma ação ou de algo cujo desenvolvimento continua num tempo espaço; ponto de partida.
Ser - Aqui peço uma licença artística, pois definir o ser em tão poucas palavras chega a ser injusto com a dimensão de grandeza do tema - mas o dicionário comum define como: possuir identidade, particularidade ou capacidade inerente.
Uso desta simplicidade para argumentar o meu ponto e fazendo um breve raciocínio lógico: me parece que sem origem, não somos. Sem origem não é possível ser? Porque ao dizer onde nasci, digo “sou” brasileiro, por exemplo? A origem determina o ser?
As duas coisas, a princípio, me parecem intimamente conectadas, mas logo me lembro do exemplo dado por Eidelsztein de que existem línguas que não possuem em seu vocabulário, a palavra ser. E me questiono, se nesses idiomas, existe a pergunta sobre a origem? Caso exista, em quais termos essa pergunta é feita?
Se uma língua não possui o verbo ser, poderíamos pensar que a falta do ser surge com a palavra? A palavra criou a falta? - Lacan nesse momento sorri. E caso não houvesse a palavra origem, será que estaríamos nos perguntando sobre a mesma?
E seguindo o ritmo das perguntas, porque ser e origem se afinam tanto com aspectos místicos e transcendentais? Porque muitas vezes, o ser carrega a explicação de uma origem divinizada, fundando não ciência, mas religião?
Teria algum tipo de relação com o rompimento com a mitologia? A mitologia explicava sobre a origem. Havia a pergunta sobre o ser? O filósofo rompe com a mitologia, inaugurando o pensamento racional e encontra-se órfão?
A história sempre se repete. O filósofo mata o mito, o iluminista aniquila seu deus, e vemos o giro, em torno da falta se repetindo. Estamos sempre tentando matar o pai?
Se o nome-do-pai é aquilo que tampona a angústia, reveladora da falta, fazendo as vezes de falo, a repetição civilizatória, assim como o neurótico seguem o mesmo roteiro de cavar a falta e tamponar a falta com o saber do mestre?
Desde a mitologia até a modernidade, a repetição nos sugere que a busca pelo saber e a tentativa de tamponar a falta são movimentos inerentes à condição do ser falante. O "ser" parece ter sido a resposta grega para a dúvida sobre a origem, ao mesmo tempo que não responde a própria dúvida sobre a origem.
Parar de se perguntar sobre a origem e teorizar sobre o vazio mesmo, funda uma nova forma de ontologia, sem o ser e sem a origem. E isso, segundo o filósofo Alain Badiou, parece ser a missão inusitada das matemáticas, que torceremos discretamente para que, eles, os matemáticos, não a aceitem. Que sigam teorizando sobre o vazio e não sobre o ser, pois quem procura acha, mas o achado engana e faz girar a roda da repetição da substancialização do ser filosófico.
As filosofias do século XX e a psicanálise não ontológica
Patrícia Mezzomo
Uma rápida visita ao segundo capítulo da filosofia do século XX de Remo Bodei, pode contribuir em imensa medida ao estudo teórico do psicanalista que se aventura na proposta não ontológica de Jacques Lacan.
É findado, há algum tempo, o mundo que acreditávamos existir. O tempo da metafísica acabou. A objetividade do conhecer, com seu positivismo ingênuo que se baseava em fatos dados, onde o cientista acreditava que bastava recolhê-los com método e ordená-los, já não funciona adequadamente. As barreiras já não existem como antes e os saberes se entrelaçam, exigindo do cientista, uma batalha com as certezas de outrora. Desvanece-se definitivamente a imagem vantajosa da existência de normas fixas e naturais; o mundo afigura-se, de repente, menos coerente, menos redutível a padrões de simplicidade. As mudanças agora são macroscópicas, aos olhos de todos. Os velhos pólos de convergência metafísica do todo (Deus, homem e mundo), sob os quais a realidade fora rubricada, já não se aguentam e desagregam-se a partir de dentro.
O pensamento e a interpretação, que antes surgiam como aditivos não autorizados, revelam-se agora resultantes de operações complexas, afirmando-os como subordinados aos parâmetros dos sistemas observacionais escolhidos. Ou como diria Lacan, “não procuro, acho”. Por isso, a imagem do mundo proposta pela física é tão surpreendente para o senso comum, inverte a sua ideia de um universo sempre igual a si próprio, independente do sistema de referência escolhido, para o enquadrar na intervenção do observador.
Os efeitos ecoam em todas as áreas. A nova psiquiatria, afastada dos argumentos de fenômenos naturais e orgânicos, encara a incompreensibilidade do doente mental no seio das relações interpessoais. Os delírios têm, portanto, sentido, se formos capazes de traduzir estas formas de privatização linguística nos termos de uma lógica e de uma concepção do mundo mais vasta e complexa.
A própria relação entre lógica e matemática entra em crise e se agarra ao desejo de fundar a matemática em bases lógicas, trazendo como consequência, desenvolvimentos muito ricos, quer na sistematização, quer na abertura de insuspeitados campos de investigação. Informática, inteligência artificial, matemática da comunicação, filosofia e dinâmicas sociais. Tudo isso está longe de ser esgotado.
É nesse contexto apresentado por Bodei, que encontra-se o psicanalista do século XXI. Numa profunda crise entre o antigo e o atual, entre o biológico e o linguístico, entre a ontologia e a matemática. Entre a experiência e o rigor teórico. A crise é ética e intelectual.
Lacan já denunciava essa crise como um rechaço a intelectualidade, apontando para a cretinização engendrada pela própria cultura ocidental, ele faz um diagnóstico a respeito da degradação teórica dos psicanalistas e a degradação do progresso científico nas instituições, que acabarão dando um sentido funesto a todo seu ensino.
Ora, sabemos que a operatória do ato depende do saber teórico, que, ancorado em ciências formais, fornece o rigor necessário para “fazer um analista à altura da função sujeito”. Isso só é possível subvertendo o conceito de sujeito vigente, que prevalece há séculos e que confunde e faz equivaler sujeito, agência e eu. A resposta é a reforma do entendimento que leva o analista a considerar o sujeito como efeito do significante. E Lacan tenta empreender essa reforma a partir das ciências formais. Em seu texto, “Talvez em Vincennes”, ele propõe a linguística, lógica, topologia e antifilosofia como disciplinas de valor formador ao psicanalista.
Esse modelo teórico tem como consequências a substituição das categorias fundamentais do tempo, espaço e matéria: Trata-se agora do tempo lógico e não o cronológico. O espaço euclidiano cede lugar a topologia e a matéria ganha status de palavra em seu “moterialisme” ao se referir ao significante. E a matemática é a “menina dos olhos” do saber formalizado do psicanalista. Por tratar-se de um saber sem substância corporal alguma, ela fornece rigor ao ato que faz acessar o sujeito sem levar ao engano da metafísica ontológica.
Diante desse cenário, o psicanalista contemporâneo encontra-se, na encruzilhada de uma crise que é, em sua essência, ética e intelectual. A escolha não é trivial: pender para uma mitologia ontológica, que insiste na primazia do corpo e em um "eu" substancial, significa rechaçar a advertência de Lacan sobre a degradação teórica e a "cretinização" intelectual.
É, portanto, na matemática, com seu rigor intrínseco e sua natureza sem substância corporal, que o psicanalista encontra a âncora decisiva para a ética de sua prática. Essa adesão às ciências formais não é meramente uma opção metodológica; ela se configura como a condição sine qua non para que o psicanalista possa verdadeiramente "fazer um analista à altura da função sujeito".
Assim, a matemática transcende o papel de mera ferramenta conceitual para o psicanalista; ela emerge como a pedra angular de sua ética profissional. Ao abraçar a formalização matemática, o psicanalista não apenas garante a coerência e o rigor de seu saber, mas também se posiciona ativamente contra o rechaço à intelectualidade. É através desse saber formalizado, que não ontologiza nem se engana com a metafísica, que a psicanálise do século XXI tem a possibilidade de resgatar e reabrir as vias do inconsciente, permitindo que ele se manifeste e seja trabalhado em sua complexidade radicalmente linguística, longe das lógicas euclidianas e aristotélicas que ameaçam seu desaparecimento. A matemática é, de fato, o fator decisivo para uma psicanálise ética e eficaz no nosso tempo.
Os annales da psicanálise
Patrícia Mezzomo
Seria o Outro Lacan a Escola dos Annales da psicanálise?
Marcada pela fundação da revista francesa "Annales d'histoire économique et sociale" em 1929, por Lucien Febvre e Marc Bloch, a Escola dos Annales foi um movimento historiográfico revolucionário que transformou profundamente a maneira como a história era concebida e estudada.
O principal objetivo da Escola dos Annales era romper com a história "tradicional", que se focava predominantemente em grandes eventos políticos, biografias de reis e generais, e uma narrativa linear e factual. Em vez disso, os Annales propunham uma história mais total, abrangente e explicativa, interessada nas estruturas de longa duração, nas mentalidades, na economia, na sociedade e na cultura, articulando interdisciplinaridades com o objetivo de incorporar métodos e conceitos de outras ciências.
Poderíamos muito bem pensar nesse recorte como uma espécie de metodologia lacaniana para apresentar à sociedade uma psicanálise mais próxima da ciência de fronteira de sua época e mais distante das ciências aristotélicas e euclidianas que predominam na ideologia do nosso ocidente.
Mas para além disso, Eidelsztein, com seu Outro Lacan, nos dá a notícia dos “Annales psicanalíticos”: Precisamos recontar a história, apresentar uma outra perspectiva de Jacques Lacan, que não a dita pela voz do “rei” Miller.
Miller venceu uma batalha que sequer sabíamos estar sendo travada. Não conhecemos as diferenças teóricas entres esses dois Jacques e tomamos um pelo outro como sendo a mesma coisa. Estarrecedora verdade é a revelação justamente de uma oposição entre essas duas teorias psicanalíticas que levam a ética clínica à caminhos diametralmente opostos.
O psicanalista, menos atento à letra de Lacan, costuma pensar que ao ler Miller está lendo Lacan, mas o que ocorre é justamente o contrário, ao ler Miller, não resta nada de Lacan a não ser uma espécie de silenciamento disfarçada de conceitos camuflados e manipulados para dar conta de uma nova proposta teórica que não a do sujeito mas sim a do gozo.
Para entender que um Jacques não diz o mesmo que o Outro, nosso holofote deve se virar em direção ao ponto central que diferencia esses dois autores, a saber, o significante.
A centralidade do significante traz a reboque uma verdade inexorável no nosso campo. O significante subverte o preconceito hegemônico de bases newtonianas que supõe ser a energia que move o corpo e explica toda ação (massa + energia).
Estamos tão inseridos nesse paradigma, que mesmo Freud não pode escapar e por isso deu a sua pulsão a mesma lógica que Newton viu na física. Segundo ele, a trieb é uma exigência de trabalho que o soma impõe ao aparelho psíquico para todo ser da espécie humana. Freud acreditava que a pulsão se originava no corpo biológico, quando na realidade se origina em um dizer e no cerne do laço discursivo.
Fica lógico entender porque Miller venceu essa batalha. Afinal, como propor a um ocidental do século XXI que o que ele sente no corpo é fruto de um dizer, de um material linguístico significante e não como algo do próprio corpo? Não é lógico e parece irracional. Batalha vencida. Miller anuncia seu gozo do corpo, mata o significante, que deveria matar a coisa, e apoiado por Freud e pelas ciências biológicas do nosso tempo, transforma a psicanálise em um sintoma fruto de um gozo corporal, com o qual o humano tem que aprender a conviver e aceitar sua impossível escapatória.
Mas afinal o que propõe Lacan?
Aqui reproduzo Eidelsztein na página 271: “O que Lacan está propondo é uma ontologia derivada do intervalo do inconsciente… Trata-se da função do intervalo entre S1 e S2, e sua articulação com o desejo e não com o gozo (goce) ou com o corpo biológico”.
Se voltarmos um pouco na teoria, verificaremos que o que chamamos de intervalo, está intimamente relacionado ao conceito de significante e de sujeito. Um significante é aquilo que significa algo para outro significante e o sujeito está e é criado justamente no espaço, no intervalo, na hiância localizada entre esses dois significantes.
Veja, estamos falando de linguagem e não de corpo biológico. Lacan apresenta uma ontologia do intervalo, apresenta a ideia de que existe algo criado pela dupla significante. Uma ontologia do intervalo e não do corpo tridimensional que podemos tocar, sentir e cheirar.
“Essa é uma ideia muito simples, mas difícil de apresentar e implica uma ruptura com a tradição ontológica da filosofia ocidental. Em Lacan há algo anterior ao ser”.
Para a metafísica aristotélica, para Freud, para Miller, o ser ontológico tem sua origem no palpável do corpo biológico. Aí está o início e o fim do humano. Em Lacan, tudo isso vem depois. A resposta é criacionista, o ser e o não-ser provém da criação ex nihilo.
Temos aí, a chave que abre a porta do inconsciente de Lacan. Este inconsciente não se presta à manobra ontologizante e Lacan sempre manteve uma rejeição radical a toda ontologia em psicanálise.
Ele nos lembra que o “ser” não é propriedade de toda língua. A dificuldade para nós é que pensamos que sempre tem que haver algo substancial primeiro é idêntico a si mesmo para responder ao ser, porque acreditamos que o ser vem antes da linguagem. Não nos damos conta de que o ser da ontologia é um produto de certas línguas e de certas tradições filosóficas.
Por raciocinarmos como Aristóteles, fizemos uma manobra substancialista na linguagem: “em lugar de sustentar que a matéria vem do significante, extraiu-se o verbo “ser” do mundo do significante e passou-se a utilizá-lo para especificar a matéria prévia ao significante”.
Uma analogia que pode facilitar nossa mente viciada em consistência, seria pensar em número e funções ao invés de palavras. É como se na equação 2 + 2, tivéssemos extraído a função + da equação e passassemos a relacioná-la como algo isolado, material e causador do mundo. O +, ou seja, uma função passa a ter status de causa. E fazemos filosofia e grandes debates a respeito do +, quando se trata apenas de uma função de adição.
O problema é que o significante foi isolado e foi dada consistência ao verbo ser, ou como diz Barbara Cassin: “A ontologia esquece que ela mesmo é um discurso.”
É disso que se trata. Fizemos psicanálise com apenas uma palavra e não com a cadeia significante. Não podemos perder de vista nosso horizonte clínico. Ontologizar a palavra nos prende a uma armadilha enganosa do incurável, do irremediável, e portanto não há nada a ser feito, nenhuma mudança é possível. O final de uma análise seria assumir “a merda que se é”, chamando isso de castração.
Mas não foi isso que Lacan disse e é disso que trata nosso “Annales psicanalítico". anunciar as proposições fundamentais do primeiro Jacques: Não se trata do ser, não se trata de ontologia, isso nos envergonha e nos aprisiona ao engano. O corpo é fruto de um dizer, de uma articulação significante e portanto pode ser dito de outra maneira, desde que seja dito. A verdadeira castração reside justamente no fato de que não se é.
Cabe ao psicanalista, agora advertido das propostas teóricas, eleger sua ética clínica entre o ser e o dizer. Sua decisão consiste em escolher entre ser ou função, entre ser ou significante. E a matemática é a ferramenta indicada por Lacan para possibilitar uma operatória lógica sem que precisemos apelar para uma mitologia ontológica.
O corte que faz conta e abre o espaço do sujeito
Patrícia Mezzomo
Não basta ler Lacan, nossa confusão está em lê-lo mas não entendê-lo. E a causa desse engano está alicerçada na forma como nos assentamos no saber ocidental. Ou, como afirma Eidelsztein, “a confusão se faz porque lemos Lacan desconhecidos de sua posição de rejeição à ontologia e à substância, o que significa ler sua obra sem as ferramentas teóricas e textuais necessárias”. Não o conhecemos porque o que nos falta em teoria, nos sobra em preconceito. O resultado é uma tradução de sua obra, enviesada pela perspectiva ontológica que assola a todos nós ocidentais do século XXI.
Não é que Lacan não tenha sido claro. Não, ele o foi. O engano é de base, de saída. Em nossa sociedade acreditamos que é sempre, em última instância, sobre bens, sobre materialidade, sobre substancialidade e isso nos entorpece diante de letra significante. E Lacan nos coloca diante de uma decisão ética que norteia todo o ato clínico. Seu conceito de sujeito requer uma maneira inovadora de pensar o humano, a partir de bases teóricas completamente opostas ao senso comum.
O raciocínio não é corporal, mas sim, linguístico e matemático. Trata-se da lógica de um furo, de uma falta intrínseca à própria linguagem e Lacan foi o primeiro psicanalista a trabalhar com a concepção deste tipo de limite na psicanálise. A ideia de que possa haver um lugar vazio na linguagem apareceu no século XX com a obra de Saussure, mas com nenhum outro autor chega até o nível de desenvolvimento proposto por Lacan, justamente por ele pensar as teorias à luz da perspectiva psicanalítica.
Em Lacan o significante possui uma lei fundamental: todo significante só é a diferença em relação a todos os outros e inclusive a si mesmo. Pensemos com cuidado sobre isso. Se o significante é pura diferença, temos por lógica, a impossibilidade de afirmar que algo é, já que ao nomear algo, imediatamente, de acordo com a lei da diferença, estamos também dizendo o que ele não é. Portanto não pode haver ontologia, já que na lógica significante, ele não é! Sendo apenas a pura diferença, não pode ser, pois se for, é igual e não diferente. Afirmar que ele é, seria, portanto, ontologizar e manter a lógica ocidental que oblitera nossa leitura antifilosófica do francês Jacques.
Também é importante articular essa lei da diferença à ideia da representação significante, ou seja, representação enquanto diferença. E isso é muito importante para o argumento anti ontológico de Lacan. Me explico: o significante é aquele que representa o sujeito para outro significante. Mas representa como? Representa em pura diferença. Ou seja, o sujeito, além de não se apresentar ele mesmo, comparecendo apenas por “procuração”, ainda comparece em representação de pura diferença. Comparece entre dois e diferente destes dois. No espaço entre. No espaço que se abre entre a dupla significante. O sujeito não se apresenta a não ser via significante da pura diferença. É como se o significante viesse anunciar o sujeito representando tudo que ele não é.
Precisamos pensar o quanto isso é disruptivo ao pensamento materialista e biológico do ocidental moderno. E mais ainda, Lacan, além de não coadunar com esse pensamento, utilizando-se da linguística como base de apresentação de seu sujeito inapreensível, também recorre à matemática como ferramenta de formalização desse tal sujeito da hiância, causando uma verdadeira pane intelectual no leitor de carne e osso.
E novamente testemunhamos a confusão generalizada no entendimento da proposta, porque nossa cabeça não funciona dessa maneira. O leitor aristotélico, confunde-se e acredita que Lacan está tentando completar esse furo com a matemática, quando na verdade, o que ele está apontando, como sempre o fez, é para o sentido contrário. A matemática é requerida para evitar preencher o furo da linguagem com ser e a substância.
Precisamos dar muita atenção a isso: o ser da linguagem é a tentativa de tamponar esse espaço do sujeito que não é apreensível. Nós ocidentais, estamos sempre tentando capturá-lo, preenchê-lo, dar a ele substância ou explicá-lo. Logicamente, não faríamos diferente com a proposta de uso da matemática por Lacan. Entendendo-a erroneamente como uma tentativa de Lacan de usá-la como preenchedora de um espaço. Infelizmente foi assim sua leitura e a distorção de sua importância para a psicanálise.
Mas não deveria ser assim. Se a tentativa de sutura não obscurecesse nosso entendimento, poderíamos perceber que Lacan usa a matemática para formalizar o impossível-lógico. Não se trata de usá-la para tentar uma transmissão integral, como se ela não fosse incompleta, mas sim de fazer psicanálise sem o “ser” substancial. Lacan não tenta a transmissão integral como forma de tamponar o furo, já que é ele mesmo quem o denuncia, com seu argumento, do furo da linguagem. É justamente a partir do furo, da incompletude, que precisamos operar com o matema, sem sentido e significado, que não aspira tamponar tal furo com a substância ontológica.
Para aceitar essa proposta é necessário aceitar que o que acreditamos ser ontologia, na verdade, trata-se de fatos do dizer. Se conseguirmos abrir mão da lógica substancialista do ser - que tenta tamponar o furo - estaremos aptos a operar o corte linguístico de maneira lógico-matemática. É propriedade do significante criar, pela via da introdução de corte, as coisas que podem ser contadas. A função do significante é introduzir cortes de maneira tal que separam de “um a um” os objetos mas que, caso contrário, estariam em continuidade. O corte que divide o “um” em “dois” fazendo-o passível de ser contado. Não se trata de um objeto físico, mas de uma separação, um corte que abre espaço. Aí está o objetivo do ato psicanalítico.
Corte e espaço. Espaço do sujeito.
É preciso operar com a falta, e não com o ser que tampona. É aí que encontramos o assunto, o tema, o sujeito. É na hiância de um ser, é nesse espaço imaterial que pode se apresentar o sujeito. Um sujeito sem substância resultado de um corte linguístico operado via matemática que possibilita a conta.
Essa é a via lacaniana, essa é a via psicanalítica alinhada à ciência moderna, mas como todo significante, alinhada em diferença, pois ela não tenta foracluir o sujeito, mas sim abrir espaço para o mesmo.
A excomunhão do plural
Patrícia Mezzomo
Edelsztein começa seu quinto enlace nos levantando questões a respeito dos neologismos de Lacan e aponta algumas tentativas de respostas que nos levantam outras perguntas:
“Os neologismos de Lacan, possuem o valor de tentar perturbar a nossa amarração a construções unívocas que referem a uma realidade primeira, externa ou estabelecida. Possuem a estrutura e a função do Witz, o chiste, a agudeza e a fantasia verbal. E terceiro e não menos importante, não se admite, em lacanismo, que Lacan apresenta uma nova teoria em psicanálise, com conceitos e diferenças teóricas inéditas e com propriedades específicas. Não se trata de uma poética. Os neologismos de Lacan possuem coerência e orientação comum e, como ele mesmo afirma, são jornadas sobre o tema, os neologismos tendem ao matema. Creio que a resposta, ou pelo menos uma delas, é que os discípulos de Lacan não reconhecem na obra de seu mestre uma novidade absoluta, por suporem que Lacan = Freud.”
Podemos pensar que a proposta que o autor nos traz, assim como em todos os capítulos anteriores, é o argumento da falha do rigor teórico. Eidelsztein está sempre nos anunciando, e demonstrando incansavelmente como a prioridade da experiência clínica desmonta esse rigor, aproximando a psicanálise de uma espécie de religião fundada no saber atado a verdade que o Pai Sigmund Freud mantém garantido, desde que se mantenha nesse lugar. Não é permitido matar o Pai, único e indestrutível. Matá-lo, é sinal de heresia e seu assassino tem como pena a excomunhão.
Excomunhão que acontece no momento exato em que Lacan avançaria sua teoria, sobre o tema: os nomes-do-pai, agora no plural.
Ironia ou não do destino, o tema no plural é uma das perguntas que Eidelsztein deixa a nosso cargo, ao final de seu capitulo: “As concepções sobre os nomes do pai, será o que faz falta? O rechaço da perspectiva científica retornará impondo esses falsos limites?”
Teriam tais perguntas, relação entre si? E porque essas duas perguntas apresentam-se em uma aula cujo tema são os neologismos de Lacan?
Se nos debruçarmos na única aula proferida por Lacan a respeito do tema, veremos a construção lógica que ele fazia avançar desde o seminário 3 sobre as psicoses, momento em que ele aborda o conceito de Nome-do-pai - no singular. Nesta aula - nomes-do-pai -, Lacan cita seu trajeto percorrido até então, marcando-o da seguinte maneira: Metáfora paterna → função do Nome próprio → angústia → nomes do pai. E abre sua aula com a observação que nos remete a pergunta deixada por Eidelsztein: “Não será possível fazer-lhes entender, ao longo desta primeira exposição, porque este plural. Pelo menos verão abrir-se o que eu pretendia introduzir como progresso em uma noção que esbocei a partir do terceiro ano do meu seminário, quando tratei do caso Schreber e da função de Nome-do-pai.”
Não será possível entender o porquê do plural, mas é possível se apegar a proposta inicial. O plural é um progresso teórico. Poderíamos pensar que de alguma maneira, Lacan nos indica que o rumo da sua teoria o fazia caminhar rumo a queda do pai um? Teria Lacan entendido que a transição do singular para o plural seria uma tentativa de sair da lógica do pai como um deus garantidor e seguir o caminho científico de pluralizar os saberes? Penso que não é à toa que Eidelsztein nos traz o pai da horda de volta nesse texto e acredito que seja com o objetivo de marcar o lugar do o nome-de-pai singular, o pai um, o pai garantidor da ordem simbólica.
O campo lacaniano se comporta como os irmãos da horda primitiva que, após matarem o pai, o reinstalam como totem, agora ainda mais poderoso. Freud é o Pai totêmico que não pode ser superado, apenas venerado. Qualquer um que proponha uma novidade radical é visto como uma ameaça a essa ordem religiosa.
A proposta plural de Lacan então tem mais cheiro ainda de heresia. Seus neologismos não criam apenas uma nova teoria mas também aniquilam o totem, a garantia, a lógica imaginária do complexo de édipo que diz como as coisas devem ser.
Teria Lacan feito seu conceito avançar rumo ao progresso, como uma tentativa de derrubar a “igreja psicanalítica” que se sustenta numa estrutura religiosa anti-científica?
Acho que não é a toa que Eidelsztein ao deixar a pergunta sobre o plural dos nomes-do-pai a articula ao rechaço da perspectiva científica. O campo parece ter se estruturado em torno do Nome-do-Pai Freud (no singular) como o garantidor da verdade. Esse é o "rechaço da perspectiva científica" que Eidelsztein aponta e que exigiria o parricídio teórico para poder avançar. O rechaço científico também explicaria o freudolacanismo tão dominante até os dias de hoje, pois tenta fazer avançar Freud pela letra de Lacan, mas sem perder Freud. O lacanismo se recusa a admitir a novidade de Lacan e o trata como um apêndice de Freud, o "Pai" único e totêmico.
Em ciência, é esperado que Einstein supere Newton, que a quântica rompa com a relatividade. O parricídio teórico é a condição do progresso. A psicanálise, ao se recusar a admitir a ruptura de Lacan com Freud, opera como um discurso religioso, não como uma ciência. A teoria avança por rupturas, não por veneração ao fundador. Reconhece a si mesma como um discurso, um sistema axiomático, e não como a revelação de uma verdade ontológica. Portanto, "rechaçar a perspectiva científica" significa, neste caso, tratar a psicanálise como uma religião: com um Pai fundador intocável, uma verdade revelada em seus textos sagrados e uma recusa à formalização que a manteria aberta e crítica. O rechaço da perspectiva científica é portanto o que permite ao campo lacaniano se organizar como uma igreja em torno do Pai totêmico, Freud. E uma vez que essa estrutura religiosa está no lugar, ela precisa se defender de qualquer ameaça à sua estabilidade.
Mas como sabemos, a estabilidade estabiliza. E o avanço não se dá na estabilização, mas sim no abalo, na abertura. Tanto na clínica quanto na teoria. Na clínica: Ela abre a possibilidade de pensar amarrações para o sujeito que não passam pela via edípica clássica e imaginária, como é o caso das psicoses que se alicerçam numa metáfora outra que não a paterna. Na teoria: Ela dissolve a própria estrutura religiosa do campo. Se a função paterna é plural, então Freud não pode mais ser O Pai, mas apenas um dos nomes possíveis para fundar um discurso.
Lacan percebeu que este modelo de um único Pai garantidor estava em crise na cultura contemporânea. O Pai já não tinha essa força universal. A passagem para o plural é então uma revolução teórico-clínica que o campo se recusa a teorizar.
Acho que aqui chegamos no ponto de espanto que os neologismos de Lacan causam ao lacanismo, diferentemente do efeito obtido com os neologismos freudianos, como bem aponta Eidelsztein.
O neologismo de Lacan aponta para a ciência, para a formalização, e sabemos que é a ciência a arma que matou Deus. Em Lacan, ao contrário de Freud, criar palavras novas é forjar um novo ferramental teórico que possibilita posicionar a psicanálise fora do campo religioso. Tendem ao matema, pois o matema formaliza a falta. Lacan coloca a matemática na sua linguisteria e abre a psicanálise para a formalização da falta. Não há mais garantia, mas sim abertura e pesquisa.
Désêtre, parlêtre, moterialisme são neologismos que possibilitam nomear e operar com uma nova condição de sujeito, que não é mais garantido por um Ser Ontológico e Imaginário. Por isso tentaram fazer disso poesia. Aceitar o que Lacan propôs não é pouca coisa. Seus neologismos derrubam o totem, abolem o ser ontológico e obrigam o leitor a adentrar o campo científico com o rigor que tal perspectiva necessita.
1º Enlace Os incorporais em psicanálise ou o corpo de lamela
Vandenilda Pereira Leite
Existem poucas alusões de Lacan sobre o termo “incorpóreo”, uma delas aparece na lição 15 do Seminário 6, a citar “ignoro parece a existência de corpos, tenho uma teoria de anáIise incorpórea, é o que se descobre ao menos, ao ouvir a irradiação do que articulo aqui), o significante, pra dizer a palavra, é nós que lhe fornecemos o material, com nossos próprios membros, o imaginário é isto, que nós fazemos o alfabeto deste discurso” (LACAN, 1958). Segundo Eidelsztein (2023), Lacan se inspirou no conceito de incorporal da filosofia estóica.
O estoicismo é uma filosofia helenística que sustenta que a felicidade consiste na exigência do bem, ditada pela razão e que transcende o indivíduo devendo ser estendida a todos. O período helenístico ou helenismo foi um movimento cultural e histórico onde os elementos da cultura grega foram estendidos para o mundo, sendo agregados à cultura européia, ocidental, asiática e oriental.
O período que corresponde ao estoicismo vai do século II a.c., com a chegada dos romanos na Grécia; passa pelo século III a.c., com a ocupação da macedônia na Grécia até o século II d.c. O estoicismo compreende três fases:
O estoicismo antigo (séculos III e IV a.c.) onde advém as bases ideológicas do estoicismo com foco à lógica, à física e à ética, teve os teóricos Zenão de Cítio, Cleantes de Assos e Crisipo de solos.
O estoicismo médio (século II a.c), teóricos Panécio de Rodes e Posidónio, correspondendo ao período eclético do estoicismo.
O estoicismo imperial (séculos I e II d.C.), teóricos Séneca, Epitecto e Marco Aurélio, fase que corresponde à decadência do estoicismo, devido forte penetração religiosa e simplificação da filosofia estóica como arte de aconselhar o bem.
De acordo com a tinologia estoica, há três categorias para as coisas existentes, sendo: algo existente ou corpóreo; algo inexistente ou incorpóreo; não-algo. O não-algo compreende seres fictícios, que são imaginados, mas falta substância como centauros e gigantes. O incorpóreo compreende as instâncias do dizível, espaço, tempo e vazio.
O incorpóreo é não existente, mas sustenta-se como propriedade de uma coisa existente, o incorpóreo é dito inexistente por não ser uma coisa existente separada. O dizível se refere a certo atributo de um corpo, mas, enquanto propriedade de uma representação; é uma modificação da mente que existe apenas subjetivamente. Além disso, o dizível é o intermediário entre as palavras e as coisas. Para os estóicos, a noção do dizível evitam os problemas de determinar como diferentes pensamentos podem ter o mesmo sentido; para eles a comparação de pensamentos é possível por que há o sentido objetivo do pensamento: o dizível. Em outros termos, o dizível é o conteúdo que ser articula em forma linguageira da representação.
A lógica estoicista é baseada na ética em que não há outro mal que não o mal moral. A atitude estóica consiste em reconhecer como bom ou mau apenas o que é bom ou mau moralmente e em considerar nem bom ou mau, portanto indiferente, o que não é bom nem mau moralmente. Para o estóico é moral aquilo que depende do homem e indiferente aquilo que não depende do homem. Os estóicos entendem que o universo é um ser vivo como Deus, confundindo-se com este. Assim, o homem deve viver em harmonia com a vida universal, buscando o equilíbrio diante das tensões do universo. Por sua vez, a lógica estóica é dividida em dialética e retórica, sendo a dialética a ciência de discutir assuntos mediante perguntas e respostas e a retórica como a ciência de falar sobre os assuntos. Assim, a lógica estóica constitui meio para o alcance da certeza e da verdade absoluta.
O estoicismo contesta toda forma conceitual do real; na experiência da linguagem, verbo e logos se relacionam, daí advém a explicação porque os estóicos davam muito valor à gramática grega, pois é justamente no idioma que acultura o logos. Na relação entre os significantes e os significados, a lógica estóica estabelece os laços que unem os eventos e mais uma vez, a atenção com a gramática e com as proposições (sugestões), pois os verbos comunicam eventos sendo exprimíveis e incorpóreos.
No estoicismo o significante é a linguagem que pertence ao mundo das coisas e os acontecimentos. Já o significado é o sentido de uma expressão. Os significados são coisas expressas, enunciadas, ditas; e esses significados são também incorpóreos.
Fazendo uma correlação do postulado de Lacan de que o corpo é “incorpóreo” com as premissas do estoicismo; fica evidente que Lacan se inspirou no estoicismo antigo. Para Lacan, corpo é um significante, é uma palavra e cada falasser atribuirá um significado, dará uma substância à esta palavra.
Elaboração de Vandenilda Pereira Leite.
Graduação em Psicologia (2004), Pós-graduação em Gestão de Pessoas (2011), Mestrado em Administração (2020), Psicanalista em formação (2017 até o momento).
REFERÊNCIAS:
DINUCCI, A.; DUARTE, V. Introdução à lógica proposicional estóica. Universidade Federal de Sergipe, 2016, p.90-92.
EIDELSZTEIN, A. 1º ENLACE Os incorporais em psicanálise ou “o corpo de lamela”. In: EIDELSZTEIN, A. Outro Lacan. 1ª ed., São Paulo: Toro, 2023. p.71 a 75.
LACAN, J. Lição 15, 18 de março de 1958 [1958/1959]. In: LACAN, J. O desejo e sua interpretação. 1ª ed., Porto Alegre: circulação interna da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, 2002, p.294.
MAIA, F.J.F. Uma nova base para a lógica jurídica: a lógica estóica enquanto sistema idealista teorético do pensamento baseado em relações de implicações empírico-temporais. In: XIX Encontro Nacional do CONPEDI, 2010, Fortaleza. Anais... Fortaleza, 2010, p.5435-5448.
