top of page

Cartel Psicoses

Ementa:

​

Investigar o funcionamento do delírio e da alucinação na psicose e sua relação com a linguagem, motivaram a formação desse grupo de cartel. Jacque Lacan no seu Seminário 3, destinado ao estudo das Psicoses, ressalta a importância da linguagem e sua relação com o significante à constituição do sujeito: "A linguagem, para nascer,deve ser tomada em seu conjunto; é preciso que ela comece a ser tomada pela ponta do significante"( Lacan, 1955)

​

A proposta do grupo de Cartel 1 é trabalhar um capítulo do Seminário 3- As Psicoses, por encontro; apoiando-se em vários outros textos que possam contribuir para o estudo, dentre eles, Memórias de um Doente dos Nervos,  de Daniel Paul Schereber.

​

Bibliografia Básica:
Seminário 3- As Psicoses / Jacques Lacan

​

Frequência dos encontros: última segunda feira de cada mês - 14 horas

​

Contato para mais informações e ingresso aos encontros:
WhatsApp de Carmen Consuelo (11) 9 7028-6411

Notas sobre a Errância

Aline Dornelles

​

A clínica psicanalítica não é uma clínica fenomenológica, tão pouco descritiva, ela é uma clínica estrutural; na qual o diagnóstico se estabelece na transferência. Trago aqui um adendo sobre a noção de transferência descrita por Lacan, uma transferência de significantes, discursiva. Trata-se do fato que na transferência que o discurso do paciente organiza, a partir do lugar no qual o paciente coloca o analista é que um diagnóstico é possível. É que uma clínica das psicoses é possível.

​

No relato de Elieni, me atravessa a seguinte questão colocada por a mesma: “ O equívoco de alguns profissionais que me atenderam foi conduzir meu tratamento como se conduz tratamento de neuróticos.” – o que me atravessa nesse recorte é a questão de pensar a clínica das psicoses no sujeito fora da crise e até no sujeito que jamais encontrou uma crise.

​

Para tecer considerações sobre a clínica das psicoses fora da crise, abordarei primeiro um conceito que entendo pouco debatido na psicanálise, porem que tangencia todos os demais conceitos abordados, quando saímos do conforto de estudar a neurose. Conceito fundamental para entender as psicoses dentro e fora da crise. O conceito de errância.

​

Errância em sua raiz epistemológica, é marcada por uma ambiguidade, uma vez que errar comporta tanto o sentido de equivocar-se , cometer erro, extraviar-se, quanto o de caminhar, progredir, avançar. Nessa acepção, aproxima-se dos viajantes. No final do século XIX, estabeleceu-se na literatura alienista francesa, uma associação entre errância e loucura, tratando os “alienados viajantes “ como categoria diagnóstica.( SOARES e BASTOS,2016).

​

O neurótico defende-se com um saber sobre a Demanda do Outro, que ele supõe a um sujeito, ao pai como detentor suposto de um saber essencialmente sexual. O pai é quem sabe lidar com o desejo materno e por consequência  quem pode decidir da significação sexuada dos filhos. Que esta posição não seja confortável, pois é um saber sexual- então parcial- que deveria defender o sujeito de uma Demanda do Outro que é total, isso não retira nada das possibilidades de descanso que a neurose oferece. Pois defender-se é aqui confiar na Demanda do Outro,  pelo pai. Se para o psicótico o saber de defesa é sem sujeito, a tarefa de sustentar, ou mesmo produzir a rede,  o tecido desse saber cabe ao sujeito mesmo. Daí a necessidade de uma errância infinita. (CALLIGARIS,1989). 

​

Bem como nos relata Elieni no seguinte trecho: “O que eu ia fazer se acatasse a ordem de despejo? Ia acabar indo morar no meu carro, estacionado em frente a quitinete. Ia virar mendiga, a paranoia envolvia o GPS: as vezes eu ficava circulando de carro, sem chegar ao destino, as vezes horas sem rumo, horas a fio sem conseguir voltar.”

​

Por que errar, vagar? Uma observação aqui é que podemos tomar essa errância literalmente posta em ato, mas também a errância discursiva de um horizonte de significantes e significações que não é organizado ao redor de uma significação central que organiza todas as outras. É em consequência dessa posição que o sujeito tem que errar. Errar porque não existe um lugar a partir do qual podemos medir a significação do que estamos fazendo. Nesta medida é evidente que a única coisa que resta é percorrer todos os caminhos.

​

A partir do Laço de Fita não podemos concluir que o sujeito psicótico esteja tomado nos registros imaginário e real somente, ele está tomado numa articulação simbólica e chega a circular nesse registro, tal qual a escritora Elieni Caputo. E é exatamente a partir da condição de escritora da Elieni que pretendo avançar no estudo do conceito de errância nos próximos encontros. A condição de  escrever por vezes requer delírio, e também errância. Entendo essa errância como estrutural, acompanhou a Elieni em momentos de sofrimento psíquico intenso e também, na ambivalência tão comum da condição humana, lhe acompanhará no seu labor de escritora.

 

Referencias bibliográficas:

​

LACAN, Jacques. Seminário, livro 3: As Psicoses. Rio de Janeiro:Zahar,1988

CALLIGARIS, Contardo. Introdução a uma Clínica Diferencial das Psicoses. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989

CAPUTO, Elieni. Laço de Fita. Belo Horizonte: Dom Quixote +DO, 2022

SOARES,Ana Cláudia . BASTOS, Angelica. A Errância para além de um sintoma Patológico.  Revista Latinoamericana Psicopat. Fundamental, set. 2016 

 

Aline Dornelles - é enfermeira, especialista em saúde da família e comunidades e seminarista na Escola de Psicanálise Estrutural EPE, Arthur Mendes
Contato: (55) 99719-7086

A noção de compreensão no que tange (ou não) á psicanálise
Aline Dornelles

 

A psiquiatria sempre acreditou que seu maior progresso consistiu-se em restituir o sentido na cadeia dos fenômenos, o que não é em si, falso. Porém o que é falso é conceber que o sentido de que se trata é aquele que se compreende. Compreender os doentes é pura miragem. A noção de compreensão tem uma significação muito nítida. Isso consiste em pensar que há coisas que são evidentes, que por exemplo, quando alguém está triste é porque não tem o que seu coração deseja. Nada mais falso- há pessoas que tem tudo que seus corações desejam e que ainda são tristes.A tristeza é uma paixão de natureza inteiramente outra.

​

A compreensão é evocada como uma relação sempre no limite. Desde que dela nos aproximamos, ela é inapreensível. Sobre a noção de compreensão Lacan nos brinda com um exemplo bastante objetivo: uma criança que ao receber um tapa, pergunta se é um carinho  ou uma palmada. Com isso demonstra que não há uma resposta natural a eventos. Da psique humana, é preciso dizer o que dizia Voltaire da história natural, a saber: que ela não é tão natural assim, e que em resumo ela é o que há de mais anti natural. Uma citação de Lacan no Seminário 2, a cerca do conceito de compreensão pode aqui nos ser útil:” Há dois perigos em tudo que tange à a apreensão de nosso campo clínico. O primeiro é não ser suficientemente curioso. [...] O segundo é compreender.

​

Compreendemos sempre demais, especialmente na análise. Na maioria das vezes nos enganamos. Pensa-se poder fazer uma boa terapêutica analítica quando se é bem dotado, intuitivo, quando se tem o contato, quando se faz funcionar esse gênio que cada qual ostenta na relação interpessoal. E a partir do momento em que não se exige de si mesmo um rigor conceitual, acha-se sempre um jeito de compreender. Mas fica-se sem bússola, não se sabe nem de onde se parte , nem para onde se está tentando ir.

​

Tudo o que no comportamento humano é da ordem psicológica, está submetido a anomalias muito mais profundas. O próprio das psicopatologias é enganar a compreensão.

​

A compreensão tem um possível efeito de redução da angústia e declínio, ou pelo menos, deslocamento sintomático, portanto pode ser útil nos primeiros momentos de instalação da transferência , em entrevistas preliminares. Mas como a direção do tratamento na neurose passa pela sustentação da angústia para que se revele o que importa, ela (a compreensão) é uma atividade-meio, quase um artifício laboratorial no setting, para direcionar uma possível atividade-fim, uma possível travessia da fantasia, ou direção da cura.

​

Na psicose por outro lado, o efeito terapêutico resulta do secretariado, isto é, do acompanhamento da experiência singular do sujeito, certo da impossibilidade de compreensão, uma vez que essa experiência é radicalmente diferente devido a falta de metáfora paterna. Aqui pontuo uma advertência: A própria definição do que é psicose é atravessada pelo não compreensível, mas o problema repousa em tornar a questão incompreensível por não ter correspondência com as experiências pessoais do analista, possivelmente neurótico e com uma visão normalopata. Afinal de contas sempre ficará um impasse: assumir que o psicótico tem uma lógica própria ou assumir que não tem lógica.

​

Aqui aponto que Lacan observou na formação que dava a seus alunos que era sempre aí que convinha detê-los. É sempre no momento que eles compreenderam, que se precipitaram para satisfazer o caso com uma compreensão, que eles falhavam na interpretação que convinha ou não fazer. Isso se exprime em geral com toda a ingenuidade da fórmula: “o sujeito quis dizer isso”. Lacan ainda provocava: o que vocês sabem a respeito? – O que há de certo é que ele não o disse. E na maioria das vezes ao ouvir o que ele disse, parece quando menos uma questão teria podido ser posta, que talvez ela teria bastado por si só para constituir a interpretação válida.

​

Acontece em certos desses pontos alguma coisa que pode parecer caracterizar-se pelo fato de que há um núcleo completamente compreensível, devido a ontologia tão característica da coisa humana, mas isso me soa mais como o canto de uma sereia. Essa ontologia será sempre inacessível a qualquer dialética. E por falar em dialética, sumariamente por ela ter  se extinguido  em detrimento da fenomenologia da experiência patológica, é que a clínica psiquiátrica se perdeu.

 

Referências Bibliográficas  

​

LACAN, J. Seminário 3 As Psicoses. Rio de Janeiro:Zahar, 1988

LACAN, J. O seminário, livro 2: o eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (1954-1955). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.

 

Aline Dornelles - é enfermeira, especialista em saúde da família e comunidades e seminarista na Escola de Psicanálise Estrutural EPE, Arthur Mendes
Contato: (55) 99719-7086

“Eu venho do Salsicheiro”

Lição de 07/12/1955 – Jacques Lacan
Seminário 3 - As Psicoses
 

Freud no primeiro momento de sua obra, ao fazer o estudo psicopatológico dos quadros clínicos e experiências de sofrimento mental, pensou o sintoma na sua relação com o inconsciente, desejo e defesa, de maneira a proporcionar a ele a dimensão do sentido e da compreensão. Sobre as neuroses narcísicas, posteriormente denominadas psicoses, Freud acreditava inicialmente haver a impossibilidade de tratamento psicanalítico, pois o psicótico  em seu funcionamento narcísico, não deslocaria a libido do seu próprio eu para a figura do analista, impossibilitando a relação de amor transferencial dentro do processo analítico devido ao seu desinvestimento objetal.

​

Nesse momento inicial da obra psicanalítica freudiana o método utilizado como recurso terapêutico era a interpretação. Isso porque, tradicionalmente, Freud deu a sua obra certo privilégio no estudo das neuroses, contudo, a medida que a psicanálise avançava, outras possibilidades terapêuticas foram  pensadas.

​

Vale ressaltar que, no campo da psicose, não se trata de interpretar, já que temos uma clínica do real ( não há o que decifrar), os parâmetros terapêuticos são outros. Quem vai fazer essa leitura posteriormente com o retorno à obra freudiana é Jacques Lacan. E ele vai, página sim, página também de sua obra, nos advertir sobre o engodo da interpretação/ compreensão, em especial se tratando das psicoses como colocado no seguinte trecho do seminário 3:

​

“Naturalmente, eu sou como todo mundo, incorro nos mesmos erros que vocês, faço tudo que lhes digo que não se deve fazer. Nem por isso tenho razão- mesmo que isso me faça ser bem sucedido.  Se vocês compreendem, tanto  melhor, guardem isso para vocês, o importante não é compreender, é atingir o verdadeiro. Mas se vocês o atingem por acaso, mesmo se vocês compreendem, vocês não compreendem. Naturalmente, eu compreendo - o que prova que todos nós temos alguma coisinha de comum com os delirantes. Eu tenho o tanto disso como todos vocês, o que há de delirante no homem normal”

​

É a partir dessa introdução que Jacques Lacan trás a lição que trata especialmente da alucinação auditiva, através de um exemplo clínico que é muito conhecido , citado e comentado. Trata-se da alucinação da palavra “porca”. A leitura desse relato, a lição de 07/12/1955 do seminário 3, comumente nos deixa bastante confusos, devido ao estilo de Lacan marcadamente em uma apresentação oral: o relato é entrecortado  por comentários e digressões, além de uma confusão entre discurso direto e indireto, que estão ali combinados de forma pouco clara. Porém, para as escutas mais atentas, fica evidente que Lacan propositalmente lança esse semi entendido para endossar a real lição - de que não há compreensão.

​​

No referido relato clínico, Lacan nos trás que durante a aproximação de uma enferma, internada em hospital psiquiátrico, a moça em um certo momento, diz alguma coisa sobre  ter escutado uma injúria, um palavrão,  em uma certa circunstância do seu dia a dia. Tal palavrão lhe era tão terrível  que ela não tinha coragem de pronunciá-lo. A conversa segue, e Lacan consegue saber, um pouco mais adiante, o que a moça, havia pronunciado  no instante imediatamente anterior aquele da audição da injúria impronunciável. Ela diz: “eu venho do Salsicheiro”.


Qual o ponto crucial da análise de Lacan?  É que ele considera o conjunto formado pelo insulto alucinado(porca) e pela frase pronunciada “ Eu venho do Salsicheiro”, como uma cadeia de significantes que foi quebrada, ou seja, em que se produziu uma distribuição de designação subjetiva. O “eu venho do Salsicheiro”, é atribuído ao sujeito, que pode então reconhecer que ele o pensou, enquanto que a palavra “porca” foi arrancada dessa cadeia significante e atribuída ao Outro. Podemos sem dúvida aqui reconhecer na frase “Porca, eu  venho do salsicheiro”, a fantasia de despedaçamento dessa paciente que assim,  na palavra “porca”, ouve ecoar a fala de seu ser (Lacan, 1955).


É a carga afetiva, ou digamos libidinal da palavra “porca” que opera uma ruptura na continuidade da cadeia significante e uma rejeição para o real. O que realmente deve ser considerado aqui? Seria o tom de voz do insulto?  Jaques Alain Miller levanta essa provocação no seu artigo Jacques Lacan e a Voz - afinal de contas, se tivesse sido dito ao pé do ouvido e baixinho, isso não deixaria de ser para o sujeito um insulto.


O que importa é que essa voz venha do Outro. Nesse sentido,  a  voz é a parte da cadeia significante que não pode ser assumida pelo sujeito como “eu” (je), e que é subjetivamente atribuída ao outro. Mas , no fim das contas, “porca” é também uma palavra, um significante que produz efeito de significado, que chamamos insulto. Estaríamos, então, ainda no registro  propriamente do significante e do significado?
 

Lacan nos trás no referido recorte clínico que a injúria é sempre uma ruptura do sistema da linguagem, assim como as palavras de amor. Que porca esteja carregada de sentido obscuro, o que é provável, ou não o esteja, temos já aí a indicação dessa dissociação. Essa significação, como toda significação que se respeite, remete a uma  outra significação. Lacan conclui então que ao dizer “eu venho do salsicheiro”, a doente expõe uma significação que deseja que ele compreenda.

​

 E no fim da lição ele adverte:


“Desconfiem sempre das pessoas  que lhes digam - Você compreende bem- isso quer dizer que ela própria não está segura da significação e que esta remete não tanto a um sistema de significação contínuo e conciliável , quanto a significação enquanto inefável, á significação básica da realidade dela, ao seu espedaçamento pessoal.”  
 

​

Referências Bibliográficas  

​

LACAN, J. Seminário 3 As Psicoses. Rio de Janeiro: Zahar, 1988

MILLER, Jacques Alain. Jacques Lacan e a Voz. Opção Lacaniana Online, julho 2013

 

Aline Dornelles é enfermeira, especialista em saúde da família e comunidades e seminarista na Escola de Psicanálise Estrutural EPE, Arthur Mendes

Texto: Introdução clínica a psicanálise Lacaniana

Autor: Bruce Fink

​

O eixo imaginário - simbólico e a clínica da psicose

Patrícia Mezzomo

​

​​Todos nascemos numa linguagem que não foi criada por nós. Usamos a língua para nos comunicar e se quisermos adentrar no mundo compartilhado com nossos pais, cuidadores e família, é com essa língua que faremos laços.


É nas palavras daqueles que nos cercam e que a psicanálise costuma se referir como o discurso do grande Outro, que encontramos a nossa existência. Discurso esse que molda nossos pensamentos, nossas demandas e nossos desejos.


Entendemos assim que a problemática da existência é a de como encontrar um lugar para nós mesmos, nessa linguagem e ao mesmo tempo torná-la nossa o máximo possível.


O neurótico logra, em maior ou menor grau, passar a existir na linguagem.


Durante o processo de amadurecimento, por volta dos 6 aos 18 meses, a criança passa pelo que Jacques Lacan batizou de o Estádio do Espelho, processo psíquico pelo qual, o bebê antecipa o domínio sobre a sua unidade corporal através de uma identificação com a imagem do semelhante e da percepção de sua própria imagem num espelho. A imagem que vai sendo capturada passa a ser identificada pela criança, como ela própria. Tal imagem estruturante introduz ordem no caos anterior de percepções e sensações.


A confirmação de existir naquela imagem vai se processando à medida que os pais ou cuidadores passam a dar sinais do reconhecimento dessa imagem, com meneios de cabeça ou até mesmo por expressões como “Sim, neném, este é você!”.


É a pessoa de importância da criança, que ratifica tal existência, confirmando sua imagem formadora do ego. A imagem que os pais têm da criança é a imagem que a própria fará de si mesma.


O discurso desse Outro vai fazendo cada vez mais parte dessa captura que inicialmente é imagética, mas que aos poucos vai sendo chancelada por palavras e frases proferidas pelos pais para expressar sua visão do filho.
O imaginário vai sendo reestruturado por uma nova ordem simbólica ou linguística que supera a ordem imaginária anterior e torna possível a existência da criança na linguagem.


“Não existe realidade pré discursiva”.


Encontramos aí uma importante, senão radical, consequência para o futuro falante. A substituição do imaginário pelo simbólico, via “normal” do neurótico, gera uma divisão no ser, que agora passa a existir como um sujeito cindido, clivado, fazendo surgir assim, Je e Moi - em português ego e sujeito. Sujeito do inconsciente, aquele que surge e permanece assujeitado a partir da captura do imaginário e simbólico do grande Outro.


Na psicose essa reescrita não ocorre. Não há um ser cindido na psicose, pois não há sujeito. O imaginário continua a predominar e o simbólico, na medida em que chega a ser assimilado, é “imaginarizado”. É assimilado não como uma ordem radicalmente diferente, que reestrutura a primeira, mas assimilado simplesmente por imitação de outras pessoas A língua é vivida como algo exterior, uma força ou entidade externa que o invade e o possui.


“As palavras me assustam. Eu sempre quis escrever, mas não conseguia pôr palavras nas coisas. … Era como se
as palavras escorregassem das coisas. … Por isso, achei que, estudando o dicionário de A a Z e escrevendo as
palavras que não conhecia, eu possuiria todas elas e poderia dizer o que quisesse”


Em 1928, Édouard Pichon publicou um artigo em que tomava emprestado do discurso jurídico o termo foraclusão, referindo-se ao uso de um direito não exercido no momento oportuno.


Em 1954 Lacan se apropria deste mesmo termo jurídico para então poder definir como ocorre essa falha do simbólico, em que se produz a rejeição radical e fundamental de determinado elemento para fora da ordem simbólica do sujeito. Quando esse elemento é foracluído, toda a ordem simbólica é afetada.


De acordo com Lacan, o elemento foracluído na psicose concerne intimamente ao pai.


O pai exerce uma função essencialmente simbólica: ele nomeia, dá seu nome, e, através desse, encarna a lei. Se a sociedade humana é dominada pelo primário da linguagem, isso quer dizer que a função paterna não é outra coisa senão o exercício de uma nomeação que permite à criança adquirir sua identidade.


Isso possibilita pensar o Édipo não mais em referência ao patriarcado e matriarcado, mas em função de um sistema de parentesco.


Em 1956, o conceito é grafado como nome-do-pai ou metáfora paterna e associado ao conceito de foraclusão, fazendo da psicose a foraclusão do nome-do-pai. É o próprio protótipo da psicose. 


A função paterna é considerada tudo ou nada: ou ela foi inscrita no simbólico ou não foi. Por isso a definição jurídica parece pertinente, “uso de um direito não exercido no momento oportuno”.


A psicanálise lacaniana, embora proponha ajudar o psicótico, não tem como modificar sua estrutura: uma vez psicótico, sempre psicótico. E ao analista, cabe a capacidade de diagnosticar as estruturas discursivas de seus pacientes, já que as consequências clínicas observáveis do fracasso da função paterna são muitas e variadas, e mais importante, o tratamento é completamente diferente do tratamento dado a um neurótico ou perverso. 


Relembremos que o paciente neurótico é um ser dividido, e o analista deve situar-se como o Outro que escuta naquilo que ele diz, algo que não fora pretendido, pois quem fala pela boca do falante é o simbólico capturado do grande Outro da linguagem. É dessa maneira que o sentido é problematizado e o analisando começa a se dar conta de que nem sempre sabe o que está dizendo.


No caso do psicótico, esse lugar não existe. Não existe sujeito a ser encontrado, o nome do pai está foracluído.
Em vez de um sujeito capaz de responder ao Outro, o que aparece é um buraco ou um vazio gigantesco.


Mas há sim, o imaginário e é com ele que o psicanalista deve trabalhar para tapar o buraco do simbólico. Quando falta na ordem simbólica um elemento crucial (o Nome-do-Pai), ela não pode ser consertada estruturalmente, ao que saibamos; mas pode ser respaldada ou “suplementada” por outra ordem.


Todos os esforços clínicos devem ir na direção do registro do imaginário, para torná-lo tão resistente e sólido quanto possível.


A atividade de criação é o motor principal da clínica da psicose e deve se incentivada para que possa surgir uma nova metáfora, não a paterna, mas o que Lacan chamava de metáfora delirante, uma metáfora que faz às vezes dá metáfora paterna, permitindo que palavras e significados se liguem de maneira relativamente estável e duradoura podendo ser então, um novo ponto de partida com base no qual o psicótico estabelece o significado do mundo e de tudo que existe nele.


Um mundo de significação, uma nova genealogia, que irá permitir ao indivíduo construir e encontrar um lugar para si, num mundo de sua própria criação.

Resumo - Teoria e Clínica da Psicose - Antonio Quinet

Pedro Paschuetto

​

Conceitos 


I - Psicose: Uma estrutura clínica

 

Não é louco quem quer

 

Psiquiatra de formação, Lacan sempre se interessou pela psicose desde sua tese de doutorado em 1932 “Da psicose paranoica e suas relações com a personalidade”, retomando em 1955 no Seminário sobre as psicoses retomando as memórias do presidente Schreber e em 1975, no seminário “Joyce, o Sintoma”.

​

No hospital Saint-Anne em Paris, Lacan deixa a célebre frase “Não é louco quem quer”, prenunciando que abordar a psicose era algo mais sério em sua lógica e rigor como estrutura clínica diferente da neurose. A referência ao Édipo é o divisor de águas entre o campo das neuroses e o campo da psicose.

​

Falar da estrutura psicótica é revelar na fala do sujeito um modo particular de articulação dos registros do real, simbólico e imaginário, acentuando a estrutura da linguagem, ou melhor, a relação do sujeito com o significante.

​

A trilha de Freud


Em 1984, Freud, no artigo “Psiconeuroses de defesa”, afirmava que existe na psicose uma espécie de defesa muito mais enérgica e eficaz que na neurose, consistindo na rejeição do eu uma representação insuportável como se jamais tivesse alcançado o próprio eu, tendo como objetivo da paranoia a projeção desse conteúdo de forma representativa no mundo exterior. Dois anos depois, Freud retoma o assunto aplicando o esquema dos sintomas da neurose obsessiva aplicando-os à paranoia: A diferença entre paranoia e obsessão, porém, encontra-se no fato de que na paranoia as recriminações são projetadas no mundo exterior, e na obsessão elas se mantêm no mundo interior.


No caso Schreber, Freud utiliza a hipótese da tríade frustração-regressão-fixação desenvolvida nos “Três ensaios” utilizada para neuróticos. Na tentativa de explicar a explosão da libido homossexual que teria desencadeado a psicose fenomenal de Schreber, Freud propõe diversas hipóteses.


Em 1911 ao apresentar o caso, Freud ao descrever a formação do delírio conclui que não estava certo ao dizer que o conteúdo dentro tinha sido projetado para fora mas sim que o que foi abolido dentro volta do lado de fora, é aí que Lacan diz que o que é foracluído no simbólico retorna no real. Nessa mesma abolição de algo que Freud, no mesmo texto, diz que o recalque é diferente de uma abolição, entendido hoje como foraclusão, mas não a foraclusão de qualquer coisa, mas um mecanismo. Assim como o recalque para o neurótico e o desmentido para o perverso, diz respeito ao Édipo.


A proposta conceitual de Lacan é considerar a foraclusão do Nome-do-pai como o mecanismo específico da psicose, levando a duas considerações: primeira que o retorno do foracluído não é o mesmo que o retorno do recalcado. Segunda que considera a referência ao Édipo no cerne da teoria das psicoses, até então restrita aos mecanismos de defesa do eu, cuja mola são o narcisismo e os fenômenos imaginários decorrentes.

 

A referência ao Édipo reinstaura a clínica do sujeito equivalente à linguagem, na medida em que o Édipo é a armadura significante que condiciona a entrada do sujeito no mundo simbólico, sendo à partir da ordem simbólica que se deve pensar a questão da psicose.


A floresta do significante

​

Esta breve explanação sobre significado e significante ajudará no processo de compreensão da estrutura psicótica.

Temos que Ferdinand de Saussure, um dos fundadores da linguística estruturalista, denominou como signo linguístico a unidade básica da linguagem composta por significante e significado. Exemplos:

​

Palavra: Cachorro

​

Significante: a palavra em si, a palavra falada, a junção das letras e o som
Significado: a ideia mental ou conceito do animal em si, aquilo que entendemos como cachorro


Palavra: Água
Significante: a palavra em si, a palavra falada, a junção das letras e o som
Significado: elemento líquido essencial para a vida, compreendido mentalmente ao ouvir a palavra “água”


Lacan inverte essa relação significado-significante passando o significante anteceder o significado, evidenciando que a experiência analítica faz o sujeito atribuir significados aos seus significantes que o marcaram em sua história. No exemplo de relato: “Estive no sítio de meus avós e fui mordido por um cachorro! Após isso não consegui mais sair do quarto.” Sabemos que o significante cachorro tem o significado de um animal de quatro patas, no entanto neste exemplo, se questionarmos o analisando quanto ao seu relato perguntando o quê a moridda do cachorro significou para ele, ele então entrará num processo de simbolização: que pode ter significado um medo, que pode ter trazido a lembrança de um trauma, que pode ter trazido memórias de quando seu pai o deixava de castigo no quarto, etc.

​

Este processo revela a particularidade e individualidade da experiência analítica de cada pessoa. No exemplo de um sonho, uma palavra em evidência não é tratada por seu significado, mas como significante que apresenta vários significados para aquela pessoa em seu processo de simbolização.

​

*Observação: Aqui se abre uma brecha para questionar a interpretação do(a) analista sobre o relato do(a) analisando(a), pois a intepretação que ele-ela faz pode estar contaminada com seus próprios significantes. Exemplo de memórias que temos de filmes, séries ou leituras onde o(a) analista faz uma exímia interpretação do relato.


E por que floresta: Pois imagine-se no meio de uma floresta onde não se vê horizonte algum, por todo lado árvores, galhos, plantas e flores. Desbravando uma direção, encontrará mais árvores, galhos, plantas e flores. Desbravando noutra direção, encontrará mais árvores, galhos, plantas e flores.


É a ordem simbólica que dá a armadura da estrutura que enquadra os fenômenos imaginários oriundos do narcisismo. A entrada da criança na ordem simbólica se dá por intermédio do Édipo.


O Édipo

​

Em síntese, o édipo é uma forma de nos referirmos ao inconsciente, sendo uma ficção do nosso comprometimento simbólico, tendo como função imaginária o falo como pivô do processo simbólico, arrematando nos sexos o complexo de castração. Na inscrição subjetiva do menino como falta virtual e na da menina como real (evocada pela falta no imaginário).


Lacan propõe três tempos para o Édipo.

 

No primeiro tempo lógico, a criança é identificada como objeto de desejo da mãe, seu falo, onde seu investimento será feito. Temos três elementos: a mãe, o bebê e o falo, sendo o bebê equivalente ao falo. A mãe como ser falante, faz com que a criança esteja submetida à lei simbólica desta, esta sendo um ser onipotente capaz de atender as necessidades da criança, podendo ou não satisfazê-las. Neste primeiro tempo, a mãe é para o bebê um Outro absoluto, sem lei.

​

É nesse tempo que Lacan formulou o estádio do espelho: construção lógica à qual corresponde a formação do eu por intermédio da imagem do outro. Uma imagem prefigurada de um corpo unificado que o semelhante lhe confere. Nesse sentido Freud diz que “o eu é antes de tudo corporal”, entretanto essa imagem cabe antes ao imaginário, pois é formada à partir da imagem do semelhante. Continua Freud: “[...]uma entidade correspondente à projeção de uma superfície”, a superfície da imagem.

​

Essa constituição do eu pela projeção de sua imagem refletida na superfície do semelhante ou do espelho empresta o caráter ilusório de sua unidade e, segundo Lacan, “situa a instância do eu numa linha de ficção para sempre irredutível para um único sujeito.”

​

A formação do eu através da imagem do outro, de seu duplo especular, confere à subjetividade sua característica bipolar, atribuindo ao eu a particularidade de ser essencialmente paranoico, pois um eu nunca está só, sempre acompanhado de seu eu-ideal. Esse investimento do estádio do espelho Freud denominou como narcisismo primário, onde encontra-se os mecanismos de defesa. A identificação com o outro é imediata, pois ainda não há a mediação do simbólico, sendo o outro rival e igual, onde são projetadas suas paixões e agressões. É esse par que constitui o modelo do registro imaginário do sujeito.


O segundo tempo lógico Lacan atribui à inauguração do processo de simbolização da criança, pois esta começa a entrar na linguagem e através desta simbolizar a presença e ausência da mãe. Aqui remetemos ao fort-da de Freud, quando observava uma criança brincando com um carretel dizendo fort (longe) e da (aqui). Neste momento se dá a saída da criança tendo como referência um ser onipotente de prazer ou desprazer (mãe) para outros objetos, deixando de ser imediata a relação da criança com a mãe tendo como mediadora simbólica a linguagem.


No processo de simbolização da mãe existe uma mediação entre ela e a criança, é o que impede a reintegração entre ambas. O que impede essa reintegração é uma lei de interdição, de proibição, surgindo a instância paterna como a metáfora do Pai, ou seja, aquilo que no discurso da mãe representa o Pai: o Nome-do-Pai, que diz para a criança que o
desejo da mãe corre para outros lugares que não somente a criança, que a mãe também é submetida à uma lei.

​

O Nome-do-Pai enquanto função simbólica leva o encargo de metaforizar o lugar de ausência da mãe; é o significante que faz a mãe ser simbolizada. Enquanto para a criança a mãe representava o Outro onipotente, o Nome-do-Pai vem barrar esse Outro, inaugurando assim a entrada da criança na ordem simbólica. Logo a criança não é mais submetida a um Outro onipotente, assim a lei é instalada no sujeito, o Outro agora se constitui como lugar da Lei.

​

Essa castração simbólica faz com que a identificação da criança com o falo da mãe seja destruída, ao menos recalcada. O falo como objeto imaginário do Desejo da Mãe passa para o nível de significante do desejo do Outro, inscrevendo aí a castração no Outro, constituindo-se o inconsciente como barrado ao sujeito, inaugurando a cadeia de
significante inconsciente correspondendo ao recalque originário.


Por intermédio da metáfora paterna a significação do falo é evocada no imaginário da criança, tendo como preço de tornar-se significante o próprio desaparecimento do falo, tendo como efeito dessa castração simbólica uma inscrição no imaginário como falta. Tendo esse significante de fundo como “o falo perdido” será articulado pela linguagem permitindo ao sujeito atribuir significações a seus significantes.


O terceiro tempo lógico do Édipo é entendido como declínio do complexo, onde o menino passará da posição de ser o falo à posição de tê-lo, enquanto o pai como marido da mãe como suporte identificatório ao ideal do eu. Na menina este processo permite a possibilidade de se situar como objeto de desejo do homem.


A foraclusão do Nome-do-pai

​

Não se submeter à inscrição do Nome-do-pai como registro da Lei, limite e castração comprometerá a psiquê da criança dificultando o processo de simbolização. Quando a metáfora paterna não é adequadamente internalizada, é na relação com o significante que se situa o drama da loucura, ou seja, quando o Outro não recebe a inscrição desse significante primevo, acarreta o que para Lacan é a marca essencial da psicose: os distúrbios da linguagem e, em particular, a alucinação.

​

Esse processo pode acontecer em situações em que a mãe não deixa claro para a criança quais seus outros objetos de desejo que não a própria criança.

​

Distúrbios da linguagem

​

Deduzindo o ensino de Lacan a alucinação psicótica é do fato dela ser verbal, não de um distúrbio ligado aos órgãos do sentido como: alucinações auditivas, visuais, táteis, etc., não sendo a alucinação verbal redutível a um órgão do sentido. Sendo assim, nota-se que mesmo os surdos-mudos de nascença podem alucinar, isso demonstra que por acontecer num outro registro (o verbal) os alucinados não a confundem com outros ruídos ou falas não alucinadas.

​

Lacan propõe examinar a alucinação à partir da distinção entre fenômenos de código e fenômenos da mensagem.

 

Fenômenos de código são:


1-Os neologismos: Não apenas de forma, palavras novas, mas também de emprego, isto é, palavras do código empregadas de forma particular;


2-Fenômenos em que o vazio da significação predomina, ou seja, em que o significante aparece monotonamente sem sentido algum;

​

3-A intuição, que é um efeito de significante em que o vazio linguístico da significação é substituído por uma certeza

​

Os fenômenos de código testemunham a separação radical entre o significante e o significado por falta do ponto-de-basta, o Nome-do-Pai.

​

Dentre os fenômenos de mensagens, o destaque se dá às mensagens interrompidas que revelam a quebra de cadeias significantes. Essa quebra é uma alucinação no começo da frase que o sujeito completa conferindo-lhe um sentido. Schreber ao ouvir "agora vou", completa por "render-me ao fato de que sou um idiota".


O Outro no neurótico é "mudo", seu discurso não atravessa o muro da linguagem, a não ser pelas formações inconscientes. Na psicose, o Outro fala às claras provocando no sujeito reações como: terror, pânico, exaltação, etc. O neurótico habita a linguagem e o psicótico é habitado e possuído pela linguagem.


O Outro terrível e gozador


A inclusão do significante da castração (Nome-do-Pai) no Outro fá-lo calar-se, fazendo com que esse Outro seja inconsciente. Para o neurótico, o Outro é inconsciente, pois é barrado por este significante, portanto, uma falta. Já para o psicóticos, o Outro não é barrado, é consistente. O Outro do psicótico é absoluto ao qual o sujeito está submetido. Sendo o Outro um tesouro de significantes para o neurótico e o psicótico, a diferença é que para este segundo não há inscrição da lei.

​

A posição estrutural do sujeito na psicose é a de ser o objeto de gozo do Outro, de uso absoluto do Outro, reproduzindo o primeiro tempo lógico do Édipo quando a criança é identificada com o falo imaginário da Mãe, "grudada" em seu desejo. Aqui sendo uma analogia, pois na estrutura psicótica não há Édipo propriamente dito, pois esse primeiro tempo lógico é o momento anterior à inauguração da cadeia de significantes do sujeito e logicamente antes que o Outro seja barrado. É pela operação da metáfora paterna que a criança é arrancada dessa posição de objeto de gozo da mãe "significantizando" o desejo do Outro.

​

Pode se fazer uma analogia desse Outro absoluto que não contém o Nome-do-Pai com o mito contado por Freud em "Totem e Tabu", onde o chefe da horda primitiva gozava tinha o caráter de onipotência, senhor de tudo, pai terrível, gozando de todas as mulheres impondo abstinência sexual aos outros homens; não submetido à lei da castração, assimilado por Freud à figura do Supereu. O assasinato desse pai da horda pelos membros da tribo inscreve o totem que o representa, correspondendo à introdução da lei simbólica, ou seja, à passagem do pai à metáfora da lei. O Outro do psicótico não possui essa lei, fazendo com que o Outro goze
do sujeito psicótico como um objeto que lhe pertence.


Bengalas imaginárias

​

Se a foraclusão do significante Nome-do-pai é a condição à estrutura psicótica, como se explica psicóticos que não descompensam? Se o que possibilita o sujeito de se nortear na realidade humana é dar significação ao mundo pelo mundo simbólico, como o psicótico se mantém sem este acesso?


Na ausência de referência simbólica, o sujeito psicótico funciona no registro imaginário, onde o outro é tomado como espelho e identificação imediata. O semelhante é apreendido apenas no registro imaginário, situando a questão homossexual da psicose: na nesta identificação imediata com o outro do mesmo sexo onde se forma um campo de agressão erotizada. Tratando-se de um fenômeno imaginário, nada tem a ver com a homossexualidade neurótica ou perversa, pois o sujeito psicótico é ex-sexo e, portanto, sua problemática não é homo mas, como situa Lacan, transexual.

​

O psicótico encontra-se muitas vezes antes de um primeiro surto, numa relação dual com o duplo imaginário, por vezes a própria mãe, formando o eixo eu-outro do estádio do espelho. O pai sem função simbólica, apreendido apenas como uma imagem ou inexistente. Por falta do significante do Nome-do-pai, o psicótico do sexo masculino compensa esta carência em identificações com personagens que lhe dão a impressão do que deve fazer para ser um homem. O sujeito psicótico é levado a servir-se de "bengalas" imaginárias que não lhe dão apoio quando tropeça no buraco da significação ausente. Pré-psicose e o sentimento que deve ser tomado ao pé da letra, diz Lacan, de que o sujeito chegou à beira do buraco.


A "situação"


No caso Schreber, Freud não encontra o que desencadeou seu delírio. Ele propõe diversas soluções demonstrando sua insatisfação. Lacan propõe procurar a situação em que Schreber teve, em sua vida, um confronto com esse buraco que sempre existiu. Essa conjuntura surge quando o Nome-do-Pai foracluído é chamado em oposição simbólica ao sujeito (S), isto é, no lugar do Outro (A). 


A invocação do Nome-do-pai pode dar-se quando uma pessoa vem ocupar esse lugar de terceiro. Esse apelo também pode ser a paternidade: por falta desse significante, o sujeito responde com um delírio, tal como o paciente descrito no Seminário III desenvolveu um delírio místico ao saber que seria pai. Outro exemplo é quando o sujeito é chamado a exercer a função fálica, ou seja, em um exemplo de caso relatado por Freud em que um paciente teve o primeiro contato sexual e conseguiu satisfazer uma mulher, fazendo assim a significação da diferença entre os sexos, ele sentiu uma dor intensa como se uma martelada tivesse rachado seu crânio.


O contato seuxal com outro sexo envolve a função significante do Nome-do-Pai, segundo Lacan, "a grande estrada que permite um homem ter um contato sexual com uma mulher" e vice-versa.


Fazer o uso da palavra é algo que já evoca o Outro, lugar constituinte do sujeito (je). A dimensão de alteridade aparece a quem está falando, nesse sentido a situação analítica pode ser o desencadeador de uma psicose, daí a importância do diagnóstico nas entrevistas preliminares.


A evocação ao Nome-do-pai foracluído pode se dar quando o sujeito é instado a ocupar uma função correspondente a uma função simbólica de pai, como Lacan pontua do presidente Schreber, onde a psicose explode após ele assumir o cargo de presidente do Tribunal de Apelação, sendo encarregado das leis.

bottom of page